• Agência O Globo
  • Agência O Globo
Atualizado em
Fumaça gerada por incêndios em instalação petrolífera da Aramco em Abqaiq, Arábia Saudita  (Foto: REUTERS/Stringer)

Fumaça gerada por incêndios em instalação petrolífera da Aramco em Abqaiq, Arábia Saudita (Foto: REUTERS/Stringer)

Como pôde a Arábia Saudita, país com o terceiro maior orçamento militar do mundo e seis batalhões de sistemas antimísseis americanos Patriot, fracassar na defesa do coração da indústria petrolífera da qual o reino tanto depende?

A questão está no centro das respostas ao ataque de sábado contra Abqaiq, que cortou a produção saudita pela metade, e é crítica para qualquer avaliação que se faça sobre se os investidores terão que fatorar permanentemente um maior risco político no preço do petróleo.

Por mais audacioso que o ataque tenha sido, ele é apenas o último de uma série e não deveria ser uma surpresa. A eficácia da máquina militar saudita há muito é questionada, apesar de o país ter gasto US$ 83 bilhões em defesa no ano passado, comparados a US$ 45 bilhões da Rússia e US$ 20 bilhões do rival regional Irã. A formidavelmente bem equipada Força Aérea do reino tem bombardeado os rebeldes houthis, apoiados pelo Irã, no vizinho Iêmen desde 2015, mas até agora fracassou em virar a guerra civil a favor dos aliados dos sauditas.

Ainda assim, qualquer resposta mais firme à questão sobre a vulnerabilidade saudita terá que esperar que foque mais claro o que realmente aconteceu no sábado, dizem especialistas em defesa aérea. Há relatos conflitantes sobre que tecnologias foram usadas — um enxame de dez veículos aéreos não tripulados (UAV, na sigla em inglês) armados, mísseis de cruzeiro ou uma mistura dos dois.

— Se foi um ataque misto, se você teve pequenos UAVs mais mísseis de cruzeiro em um ataque coordenado, vindos em baixa altitude, este é um problema traiçoeiro para se lidar, mesmo para forças militares ocidentais capacitadas — diz Douglas Barrie, analista sênior de forças aeroespaciais no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, um centro de pensamento no Reino Unido.

- O melhor lugar para parar com essas coisas é antes de elas alçarem voo.

Desafio formidável

Se defender de drones — seja sobre aeroportos ou nos campos de batalha — foi um assunto quente na maior mostra de defesa do Reino Unido, realizada na semana passada, entre as empresas que fabricam e vendem sistemas de defesa de ponta para governos ao redor do mundo, conta Barrie.

A natureza das instalações de petróleo — grandes, estacionárias e inflamáveis — já faz de sua defesa um desafio formidável, acrescentam Barrie e outros especialistas. E também sua dispersão nos vastos espaços abertos da Arábia Saudita, com a necessidade de monitorar quilômetros de fronteiras porosas com o Iêmen, Omã, emirados Árabes Unidos, Catar, Kuwait, Iraque e Jordânia.

Até que as tensões entre EUA e Irã diminuam, o risco de mais ataques possivelmente permanecerá. Em meses recentes, os EUA acusaram o Irã de sabotar navios-tanque carregando petróleo pelo Estreito de Ormuz, enquanto drones reivindicados pelos houthis atacaram estações de bombeamento do oleoduto Leste-Oeste da Arábia Saudita em maio, e o campo de petróleo de Shaybah em agosto. Um oficial militar saudita disse nesta segunda-feira que armas iranianas foram usadas nos ataques.

— É muito simples: os iranianos tentaram por diversas vezes elevar os preços do petróleo — diz Ram Yavne, general de brigada aposentado, ex-chefe de defesa estratégica das Forças Armadas de Israel, e que agora está no Instituto Judeu para a Segurança Nacional da América, um centro de pensamento sediado em Washington.

— Eles querem mostrar para o mundo que o preço do bloqueio dos EUA à sua capacidade de produzir petróleo é alto.

‘Altamente vulnerável’

O Irã, alvo de sanções incapacitantes dos EUA, negaram responsabilidade por todos estes ataques, incluindo os de sábado. Algumas tentativas de ataque foram frustradas pelas defesas sauditas, mas estes sucessos deverão ser esquecidos na esteira do ataque a Abqaiq, que interrompeu cerca de 5% do fornecimento global de petróleo.

“Temos uma lição racional dos ataques deste fim de semana à infraestrutura do reino: que esta infraestrutura é altamente vulnerável a ataques, e que o mercado tem persistentemente errado na precificação do petróleo”, diz nota de análise do Citi Research.

O sucesso do ataque com drones contra uma das mais importantes peças de infraestrutura da indústria petrolífera mundial também pode se provar um embaraço para os custosos Patriots da Raytheon.

— O que me surpreende é: o que aconteceu com os sistemas antimísseis americanos? — diz Fawaz A. Gerges, professor de política do Oriente Médio na London School of Economics. — Isto terá um reflexo terrível sobre os EUA e seus sistemas de defesa. Os iranianos sabem disso agora e as lições aprendidas aqui poderão ser aplicadas na Síria, Líbano e outros lugares no futuro.

As capacidades dos S-400

A Arábia Saudita tem negociado a aquisição do mesmo avançado sistema de defesa antiaérea S-400 que a Turquia recentemente comprou da Rússia. A arma russa, embora pouco testada em combate, tem vantagens técnicas sobre os Patriots americanos. Ela tem um alcance de 400 quilômetros, contra os 160 quilômetros dos Patriot, pode destruir alvos se movendo duas vezes mais rápido e pode ser posta em ação em apenas cinco minutos, comparados a uma hora para uma bateria de Patriots.

Comprar os S-400s, no entanto, arrisca provocar um enorme divergência entre Washington e Riad, assim como sanções americanas – e isso sem dar uma solução para ataques com drones. Em julho, os EUA anunciaram ter autorizado a mobilização de mais 500 tropas na Arábia Saudita como um reforço da “dissuasão”.

“A questão é que os drones e mísseis de cruzeiro não podem ser combatidos com sistemas convencionais de defesa como Patriots/THAAD ou aviões. Este é um problema que ninguém resolveu ainda, nem os EUA”, escreveu Ali Shihabi, comentarista saudita próximo ao governo, no Twitter nesta segunda (THAAD é a sigla em inglês para “defesa de área por terminação em grande altitude”, outro importante formatação das defesas antimísseis dos EUA).

A Rússia pareia seus S-400s com o sistema menor Pantsir-S1 para combater mísseis de curto alcance a baixas altitudes que escapariam do sistema de defesa contra mísseis balísticos maiores. Assim, embora a Rússia tenha mobilizado S-400s no Noroeste da Síria, ela tem usado seu sistema Pantsir para se defender de ataques com drones.

— Idealmente, os sauditas precisam de uma defesa em camadas, o que inclui sistemas de defesa de curto alcance pontuais como o alemão Skyshield ou o russo Pantsir que permitam uma rápida resposta a ameaças menores com sistemas mais baratos do que os maciçamente caros Patriot — destaca Justin Bronk, pesquisador de poder aéreo e tecnologia do Royal United Services Institute, do Reino Unido, em e-mail de resposta a questionamentos.

Para os sauditas, a grande prioridade provavelmente será determinar o ponto de lançamento do ataque. Dependendo de seu tamanho, os drones podem até ter sido levados de carro para dentro do reno e lançados de uma curta distância.

— É verdade que eles (os sauditas) não são os militares mais capacitados — conclui Barrie. — Mas seus adversários têm muitas vantagens.