• Sandra Boccia
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Carta do Editor (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Era uma vez um banqueiro que me deu um conselho inesquecível sobre valuation: “É a interseção entre o que você pede e o que o mercado está disposto a pagar. Esqueça todos esses cálculos complexos que está tentando aprender para chegar no valor de uma empresa. É assim que funciona na vida real”. Era época de MBA. Óbvio que, academicamente, esse conselho foi um desastre. Mas a lógica dele fez todo o sentido para mim agora, ao analisar uma das séries mais emocionantes do momento: a saga dos IPOs malsucedidos.

Começando pelo WeWork, o mais recente e recheado de rumores surpreendentes. Dos quase US$ 47 bilhões avaliados em janeiro deste ano, a empresa viu seu valor de mercado minguar para US$ 8 bilhões, enquanto os seus balanços e as atitudes do CEO eram escrutinados pelos analistas, bem treinados na tradicional escola da projeção de receitas, custos e despesas.

O rito de passagem do mercado fechado para o mercado aberto deixou os investidores com coração peludo. Já estavam ressabiados com os IPOs de Uber, Lyft e Peloton, considerados pífios diante das expectativas iniciais.

Ao procurarem a possibilidade de chegar ao menos a um breakeven, encontraram nessas empresas revolucionárias um passivo unicórnico, acima de bilhão, com avisos de que talvez nunca gerassem lucro, apesar dos milhares de clientes e da transformação no modelo de negócios, que veio para ficar nas nossas vidas.

Essa geração que chega ao trabalho de Uber pool, bebe café Suplicy e água frutada não faz ideia do que era um empreendedor raiz antes da invenção dos coworkings e das máquinas tipo Nespresso. Era o reino da cafeteira elétrica Walita, com o pó de café mais em conta. E para se servir, tinha de ir lavar a xícara na pia do minúsculo banheiro (com um desinfetante encostado em uma quina). Hoje você pode terceirizar esses problemas e, enquanto o SoftBank permitir, ainda tem chope grátis para seu happy hour.

Como inovação tem custo estratosférico e a liquidez está em alta, essas startups receberam farto investimento. No entanto, na hora de analisar o que foi construído e de colher os resultados, alguns desses CEOs estão caindo em desgraça, seja por falta de lucratividade, seja pelo compasso moral. Ou ambos.

O do Uber foi demitido devido às denúncias internas. O do WeWork foi acusado de atos polêmicos, como registrar o domínio WeWork em seu nome e depois vendê-lo por US$ 6 milhões. Assim como adquirir imóveis e alugá-los para a própria empresa.

Os desfechos dos dois são diferentes. Embora bombardeados por reportagens negativas e escândalos, só Adam Neumann levou quase US$ 2 bilhões de bônus para sair da empresa, bancados pelo SoftBank. É que o maior investidor da companhia vai tentar consertar os problemas que fizeram sombra durante e pós-IPO.

Surpreendentemente, o Brasil tem mais unicórnios do que Israel, país conhecido como Startup Nation. A pergunta que todo o ecossistema está fazendo nesse momento é sobre a saúde desses seres mitológicos. Com fundos aportando na América Latina e perspectiva de juros baixos, mais startups devem alcançar o valuation de US$ 1 bi. Entre as candidatas, CargoX, Neon, Creditas.

Decidimos falar com os nossos criadores de unicórnios sobre a safra local, que inclui de Nubank a Ebanx. Estaríamos nos aproximando de um período de inflexão?

Os investidores possuem uma característica em comum. Investem em quem de alguma maneira já faz parte do networking. Ou acompanham o empreendedor na arena do mercado por um tempo ou recebem recomendações de investidos. Esse é o contexto da Valor Capital com a Stone, da Kaszek com o Nubank, da Redpoint com a Gympass.

E todos eles estão preparando o forno para investir mais dinheiro e fomentar a próxima leva. Só o tempo dirá quem queimou dinheiro e quem de fato gerou valor. No país do eterno “agora vai”, a commodity em alta é o otimismo com cautela. Que os unicórnios se multipliquem mantendo mágicos poderes de gerar fluxo de caixa positivo.

Carta do Editor (Foto: Getty Images)