Quais os efeitos do acordo comercial EUA-China para a economia e para as ações brasileiras

Com acordo, há um risco de queda sobre os US$ 10 bi em exportações que os chineses passaram a comprar do Brasil desde o início da guerra comercial

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – Depois de um ano e meio, Estados Unidos e China finalmente assinaram a primeira parte de um acordo comercial. Apesar do alívio que isso trouxe para os investidores com a expectativa de melhora do crescimento global, alguns setores no Brasil, principalmente o agrícola, podem ser afetados negativamente.

Apesar de o acordo apontar para a compra de mais de US$ 200 bilhões em produtos americanos pelos chineses nos próximos dois anos, ainda não se tem muitos detalhes de como estas compras irão ocorrer, o que pode mitigar alguns impactos. Mas, em uma primeira análise, especialistas apontam que o agronegócio brasileiro não deve mais ver o excelente momento vivido desde 2018.

Segundo dados apontados pelo jornal O Globo do economista-chefe para América Latina da consultoria inglesa Oxford Economics, Marcos Casarin, há um risco de queda sobre os US$ 10 bilhões em exportações que os chineses passaram a comprar do Brasil em retaliação às tarifas adotas pelos EUA em 2019.

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O valor, apesar de ser referente a apenas 5% dos US$ 223 bilhões totais exportados pelo Brasil no ano passado, não deixa de ser relevante.

Neste cenário, a soja deve ser o insumo mais afetado, já que desde que a guerra comercial teve início, a China aumentou substancialmente a compra da oleaginosa brasileira, levando a um total de 74 milhões de toneladas exportadas no ano passado.

Traders e analistas consultados pela Bloomberg apontam, porém, que o prejuízo não deve ser tão grande quanto parece, já que a tendência é apenas que o cenário volte a ser como era antes da guerra comercial.

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Ou seja, a oferta brasileira terá alta demanda no primeiro semestre, quando ocorre a colheita por aqui, enquanto no segundo semestre os EUA devem passar a ter dominância já que ocorre a colheita por lá e o país ganha força competitiva em termos de preço.

A expectativa inicial é que as exportações brasileiras de soja possam recuar em até 10 milhões de toneladas, chegando a 64 milhões.

Para os analistas do Bradesco BBI, os preços da soja deverão ficar sob pressão depois de março deste ano, com a China retomando as compras nos EUA como parte do acordo comercial. Segundo eles, isso deverá impactar a SLC Agrícola (SLCE3), que tem cerca de 40% de seu Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) proveniente desta commodity.

Eles apontam ainda que a participação do Brasil nas importações de soja da China aumentou de 60% em 2017 para 70% no ano passado por conta da disputa com os EUA. Com o novo cenário, a projeção é que o preço da soja fique em US$ 9,30 por bushel (unidade de medida para os grãos) em 2020 e US$ 11,20/bushel em 2021.

Já no caso do algodão, a equipe do Bradesco não vê um grande impacto para o Brasil, já que as exportações para a China não são tão significativas quando as de soja. Os chineses representam 80% das compras da soja nacional enquanto que, para o algodão, eles são apenas 30%.

Além disso, eles citam que as associações setoriais do país (Ampa e Ibá) recentemente expressaram confiança de que foram capazes de formar relacionamentos duradouros com os clientes na China, dada a qualidade e o preço das mercadorias brasileiras.

Por outro lado, este é mais um campo que pode pesar para a SLC, já que 59% de seu Ebitda vem da commodity. Em uma análise de sensibilidade feita pelos analistas, para cada redução de 5% nos preços do algodão, haverá um corte de 8% no Ebitda projetado para 2021 da companhia.

Proteínas também são impactadas

O setor de carnes também deve ver algum impacto deste acordo, principalmente por conta do atual momento do impacto da gripe suína africana na China, fator este que fez disparar o preço da proteína animal aqui no Brasil já que o país aumentou sua exportação para o gigante asiático.

Porém, a retomada das vendas dos EUA para os chineses deve ser favorável para a JBS (JBSS3) já que a empresa tem mais de 70% de seu Ebitda vindo das operações em terras americanas, apontam os analistas do Morgan Stanley em relatório.

Segundo eles, o acordo “deve ajudar a resolver o descompasso atual da oferta (nos EUA) e da demanda (da China)”.

Os analistas apontam que, por causa da gripe suína, a China aumentou as importações de proteínas de diversos fornecedores e regiões, mas mesmo assim os preços de importação continuaram subindo para todas as categorias de carne.

Do outro lado, os EUA estão enfrentando um excesso significativo de oferta de carne de porco no mercado interno, o que pressionou os preços para baixo. Em meio a isso, a equipe do Morgan aponta que os principais frigoríficos dos EUA já decidiram parar de usar ractopamina (um aditivo alimentar animal que é proibido em alguns países), o que para eles é um sinal claro de que as exportações de carne suína dos EUA para a China continuarão aumentando.

No caso específico da JBS, eles destacam ainda que as operações americanas da companhia ainda não tiveram grandes impactos dos efeitos da gripe suína na China como aconteceu aqui no Brasil ou na Austrália, abrindo espaço para um ganho neste novo cenário.

“Embora se possa argumentar que o acordo comercial China-EUA apresenta algum risco negativo para os players de proteína do Brasil, seguimos pensando que os aspectos positivos superam os negativos para a JBS”, concluem.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.