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Criptomoedas: vencedoras na pandemia?

Políticas dos bancos centrais, endividamento das empresas e confinamento levam a maior procura de criptomoedas, dizem especialistas.
24 Maio 2020, 21h00

A pandemia da Covid-19 está a levar os bancos centrais a injectar liquidez no mercado através de medidas não convencionais e ação pode ter um efeito colateral inesperado: impulsionar o mercado de criptomoedas.

“Injetar grandes quantidades de moeda nos mercados provoca o aumento das pressões inflacionistas e reduz o poder de compra dos consumidores, desvalorizando assim as moedas nacionais e, por isso mesmo, afetando diretamente os utilizadores e investidores”, diz Edward Cooper, head of cryptocurrencies da Revolut ao Jornal Económico, recordando que o Bitcoin foi lançado em 2009 num cenário algo semelhante, como resposta à crise de 2008.

Para o responsável da fintech britânica, nas atuais circunstâncias “estamos a assistir à adoção de estratégias económicas semelhantes a serem empregues pelos Governos como resposta direta ao coronavírus” e, perante este cenário, acredita que aumente o interesse dos investidores em criptomoedas, por serem consideradas um “ativo resiliente nestas condições”.

Nuno Mello, diretor comercial da XTB, nota que este mercado beneficia também do elevado endividamento de muitas empresas, que poderá conduzir a incumprimentos, levando os investidores a procurar ativos menos permeáveis a estes riscos. “Nestas alturas, os investidores não querem estar expostos ao mercado obrigacionista nem ao mercado de ações. Eles querem deter ativos que ninguém possa reivindicar, tais como o ouro e a Bitcoin”, indica como exemplo ao JE. “O investidor de criptomoedas compra a Bitcoin, guarda-a na sua digital wallet ou hardware wallet, e é sua. Ninguém pode retirá-las ou fazer um haircut das mesmas. É um valor seguro! Daí estarmos a assistir a uma valorização da Bitcoin nas últimas semanas e que deverá prolongar-se no tempo”, sustenta.

O responsável da corretora assinala que o mercado mexeu no dia 11 de Maio, quando se registou o terceiro halving do Bitcoin – acontece aproximadamente a cada quatro anos ou a cada 210 mil blocos que são minerados -, cortando para metade a recompensa dada aos mineradores, sendo atualmente de 6,25 bitcoins. Nos dois halvings anteriores (em 2012 e 2016) seguiram-se fortes bull markets, que levaram a valorizações da bitcoin de 50162% e 9054%, a que se seguiram correções de 80% de todo o movimento anterior, recorda Nuno Mello.

“Desta vez o bull market iniciou-se 18 meses antes e os investidores estão à espera de um movimento de igualmente explosivo”. Estamos num movimento especulativo? “No curto prazo poderá falar-se efetivamente” nisso, diz, mas sublinha que a volatilidade tenderá a estabilizar com o tempo. “Além disso, o custo médio mundial para produzir uma Bitcoin é de cerca de seis mil dólares, pelo que a sua cotação tende a ser sempre superior a esse valor”, assinala.

Para João Barros, CEO da Pagaqui, a valorização a que se assiste desde dezembro de 2019 e que é pré-pandemia não explica isoladamente o crescimento deste mercado. Além das criptomoedas serem “cada vez mais vistas como refúgio ao investimento nos mercados financeiros tradicionais, que são extremamente penalizados pela incerteza e pela crise económica”, sublinha ao JE que o confinamento resultante da pandemia teve reflexos no universo de interessados, criando “maior disponibilidade de tempo para potenciais investidores se dedicarem às criptomoedas”.

“Assistimos, durante esta pandemia, a um aumento significativo de abertura de contas junto de corretoras online e dos volumes transacionados”, refere.

Edward Cooper revela que a tendência foi sentida na Revolut, que assistiu a um “grande aumento na procura por criptomoedas”. “Registámos um aumento de três vezes no volume de negociações com criptomoedas, na região da Lombardia, em Itália, depois de ser ditado o confinamento obrigatório, no início do passado mês de março”, exemplifica.

João Barros antecipa que “esta crise veio fortalecer significativamente os meios de pagamento eletrónico”, beneficiando da existência de “mais e melhores wallets para adquirir criptomoedas de uma forma simples”, sendo que a “sua liquidez é cada vez maior, permitindo o seu crescimento como moeda aceite em transações de pequeno montante”.

O crescimento do mercado refletir-se-á, segundo Nuno Mello, numa redundância dos grandes bancos, já “que qualquer pequena empresa pode conseguir angariar milhões através duma simples Initial Coin Offering (ICO)”.

“O crescente fenómeno do decentralized finance também promete alterar o paradigma atual. Por exemplo, as empresas vão poder emitir as suas obrigações sob a forma de smart contracts utilizando por exemplo a blockchain do Ethereum, sem custos com intermediários. Os investidores vão passar a poder comprar obrigações com valores muito baixos, como cinco ou dez euros, com altas taxas de juro”, exemplifica.

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