Como a Europa pode fazer os fundos multimercados mudarem de posição no dólar

Luiz Eduardo Portella conta por que o dólar pode continuar se enfraquecendo ao longo dos próximos dias, meses ou, até mesmo, anos.

Matheus Soares

(Getty Images)

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Se você acompanha nossas conversas com gestores já deve ter percebido que o novo consenso entre os fundos multimercado tem sido permanecer vendido em dólar no curto prazo. No Coffee & Stocks desta quinta-feira recebemos Luiz Eduardo Portella, gestor da Novus Capital que explicou por que esta visão dominante deve em breve mudar.

Traduzindo: desde o início da crise causada pelo coronavírus os fundos ganharam dinheiro explorando a queda do real ante o dólar, desproporcional em relação a outras moedas de países emergentes. Mas, no longo prazo, o dólar deve se enfraquecer, o real recuperar parte do valor e os fundos multimercados devem começar a montar posições para aproveitar esses movimentos.

Embora a posição vendida no dólar (acreditando na queda da cotação) tenha começado de maneira tática, alguns acontecimentos vistos na Europa podem fazer com que essa posição vire uma venda “estrutural”. Isso porque na visão de Portella, a possível união fiscal entre os países da zona do euro, que tem sido capitaneada por Alemanha e França, poderia levar ao fortalecimento do euro sobre o dólar – movimento que não acontece desde a crise de 2008.

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Diante desse cenário, o dólar – que sempre foi o escolhido para proteções contra crises domésticas – pode não ser mais o melhor instrumento do mercado. Para o gestor, o melhor hedge nesse ambiente seria a posição tomada nos juros intermediários. Na prática, ele tem uma posição que se torna lucrativa se os juros subirem mais do que o mercado espera no médio prazo.

Confiram abaixo, o resumo do que foi essa aula de geopolítica misturada com investimentos:

A posição tática vendida em dólar que pode virar estrutural

O tático… o dólar estava próximo de R$ 6 e em uma das entrevistas de Jair Bolsonaro ele deixou escapar que um dos tópicos que ele havia discutido em reunião tinha sido o dólar. Nos dias seguintes, o Banco Central começou a ser mais ativo na venda de dólar no mercado. Somado a esses fatores, o dólar global começou a ficar mais fraco frente as moedas de países emergentes. Olhamos tudo isso e montamos uma posição tática vendida no dólar.

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Além disso, o quadro político melhorou após a divulgação do vídeo da reunião de Jair Bolsonaro com seus Ministros não ter trazido nenhuma novidade e ainda ter diminuído a probabilidade de termos um impeachment.

Com o risco político saindo da frente, sabíamos que havia entrado muita compra quando o dólar bateu R$ 5,50. Qualquer novidade sobre reabertura lá fora ou melhora política no Brasil poderia empurrar o dólar pra baixo dado que o mercado estava muito pessimista e comprado.

Com os casos de coronavírus no exterior melhorando e muitas economias desenvolvidas – como EUA e Europa, por exemplo – tentando voltar para a normalidade, começamos a perceber que todos aqueles ativos de risco que haviam ficado para trás, começaram a subir. É como se o mercado tivesse começado a comprar o “Kit Reabertura” e o Brasil está dentro desse portfólio.

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O tático que vira estrutural… outro grande vetor para analisar o desempenho do dólar é entender a dinâmica dele no mundo. Para isso nós olhamos o DXY, que é o índice que compara o desempenho do dólar frente à cesta das principais moedas globais. Quando olhamos o peso de cada uma das moedas desse índice, vemos que o euro representa 60%. Ou seja, para saber para onde vai o DXY, precisamos estudar o desempenho do euro e, consequentemente, da Europa.

Desde a grande crise de 2008, que foi quando o ciclo de dólar forte começou, os EUA têm nadado de braçada no relativo com a Europa. No velho continente, os países têm o pilar da união monetária e comercial, mas não têm a união fiscal, que acaba sendo o pilar de fraqueza da Europa. Nos últimos doze anos, muitos países europeus tiveram graves problemas fiscais o que deixou a Europa estagnada frente aos EUA.

Essa dinâmica fez com que muitos investidores financiassem a compra de dólar com a venda do euro.

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Mas nas últimas semanas tivemos uma novidade, que foi a reunião entre Alemanha e França para discutir o primeiro passo do que seria essa união fiscal, que, a princípio, seria a construção de um veículo para emitir títulos e financiar a Europa como um todo. Na ocasião, os dois países anunciaram um pacote de 500 bilhões de euros. Além desse pacote, a Comissão Europeia anunciou ontem mais um pacote de 250 bilhões de euros.

Essa foi a primeira discussão que poderia levar uma união fiscal entre os países da zona do euro. Vale lembrar que quando o Macron [presidente da França] foi eleito, um dos pilares de sua política seria buscar essa união fiscal. Para essa união acontecer, todos os 27 países precisam aprová-la.

Embora alguns países sejam contra esse acordo, acreditamos que o momento difícil que o continente está passando possa unir o bloco “em um só país”. Se isso acontecer, o euro se fortaleceria, o dólar enfraqueceria e o DXY começaria a cair.

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Junta-se a isso a elevada expansão monetária do Federal Reserve [Banco Central dos EUA]. Em um mês, o Fed injetou US$ 1 trilhão na economia, que é o equivalente à metade da injeção feita na crise de 2008. Essa forte expansão pode ajudar a enfraquecer o dólar.

É por isso que essa venda tática está virando venda estrutural de dólar no fundo.

Por que usar os juros como hedge?

Por conta dessa dinâmica, estamos com posição comprada em juros como hedge do fundo. Não por achar que os juros vão subir por conta de uma deterioração fiscal rapidamente, mas por achar que se posicionar em juros como forma de se proteger é melhor do que comprar dólar.

A operação que sempre deu muito dinheiro no Brasil foi ter ficado comprado em dólar e às vezes em bolsa, mas estruturalmente vendido nos juros. Essa tendência também poderá mudar.

O Banco Central disse que vai cortar mais 75 pontos e começamos a ver as discussões dentro do próprio BC sobre qual seria o patamar mínimo de juros que o país poderia chegar. O próprio CDS [Credit Default Swap, que é o risco-calote de um país] de curto prazo opera entre 1,5% e 2% [150 e 200 pontos]. Será que dá para vir abaixo disso? Além disso, a curva de juros já está precificando queda de 60 pontos-base na próxima reunião.

Resumindo, achamos que vai haver um desmonte dessa posição [compra de dólar e venda de juros] que deu muito certo nos últimos anos. Seja por conta do possível enfraquecimento global do dólar, seja devido ao pouco espaço que vejo para novas quedas no juro brasileiro. O juro tem pouco a cair e muito para subir, o dólar, por outro lado, pouco a subir e muito a cair. Não que eu acredite que o juro vá subir muito por conta de uma piora econômica, é só uma proteção mais eficiente que o dólar.

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“Dólar pode virar um short estrutural”. Luiz Eduardo Portella, da Novus Capital, explica por que o “novo consenso” dos multimercados (que tem sido ficar vendido em dólar de forma “tática”, no curto prazo) pode se tornar uma posição estrutural, de longo prazo: SPOILER: a culpa é da Europa. O gestor, com 18 anos de experiência no mercado e com expertise em renda fixa, também explicou por que ele está usando os juros como “hedge” e não mais o dólar (na prática, ele tem uma posição que se torna lucrativa se os juros subirem mais do que o mercado espera no médio prazo)

Uma publicação compartilhada por Stock Pickers (@stockpickers_) em 28 de Mai, 2020 às 4:05 PDT

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Matheus Soares

Matheus Soares é analista da Rico Investimentos e um dos responsáveis pela Carteira Rico Dividendos 8+