Cultura

Poética, feminina, socialmente empenhada: Maria Beatriz (1940-2020)

A artista que há vários anos vivia em Amesterdão, nos Países Baixos, morreu este sábado

Poética, feminina, socialmente empenhada: Maria Beatriz (1940-2020)

Celso Martins

Jornalista

Maria Beatriz em 2016 na Galeria Ratton, em Lisboa
Luís Barra

Poética, feminina, socialmente empenhada, assim podemos dizer da obra de Maria Beatriz, artista portuguesa que há várias décadas residia em Amesterdão e que faleceu neste dia 11 vítima de cancro. Nascida em Lisboa, a artista frequentou o curso de pintura na Escola de Belas-Artes mas acabou por ceder ao desejo de abandonar o país, rumo a Londres onde vive até 1963.

Em meados da década foi ainda bolseira da Fundação Gulbenkian em Paris onde estudou gravura e assiste ao Maio de 68, momento histórico que a marca profundamente. Mas será na Holanda, cuja cultura visual evidentemente a fascinou, que desenvolverá grande parte de uma obra que ostenta uma forte capacidade de relacionar uma dimensão onírica com as imagens do quotidiano.

Com um percurso relativamente discreto entre nós (expõe pela primeira vez em Portugal na Galeria Palmira Suzo em 1998) mas com momentos de alguma visibilidade e bom acolhimento crítico, como os que corresponderam às exposições abrangentes realizadas na Casa da Cerca em Almada (1998 e 2016) e Fundação Calouste Gulbenkian (2012) Maria Beatriz interroga não apenas os processos da pintura e da escultura olhando para essas tradições de modo interpelador como problematiza as referências históricas que essas tradições lhe fazem chegar. Importantes no seu trajeto são, por exemplo os desenhos e as pinturas que usam a metodologia da colagem e do recorte num contexto onde figuras femininas animais e objetos se encontram com irregulares presenças de cor.

Os escorrimentos e esvaziamentos cromáticos em torno de temas que agregam memória pessoais e signos transportam marcas da experiência social e política ou evocações como as da série de “Os Comedores de batatas” (2011-2012) que recupera temas de Van Gogh em pinturas sobre veludo. É ainda a problematização da representação que parece conduzi-la à criação de instalações cujos componentes existem algures entre a tridimensionalização da pintura e uma escultura quase sem espessura com uma eficácia cénica e objetual assinalável. Essa mesma vontade de experimentar levou-a ainda a trabalhar o formato livro, a gravura, a fotografia e a azulejaria áreas onde prolonga um imaginário e uma capacidade de evocação simbólica imediatamente reconhecíveis.

Representada em Portugal em coleções como as da Fundação Calouste Gulbenkian, EDP ou CGD, a sua obra pode ainda descobrir-se em várias coleções públicas de Amesterdão e Haia.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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