Barsi critica “especulação” com Magazine Luiza e reforça aposta em ações de BB, Klabin e Sabesp: “Todo mundo continua bebendo água e tomando banho”

Conhecido como o "rei dos dividendos", o investidor bilionário também disparou contra a possibilidade de tributação desses rendimentos

Lucas Bombana

Louise e Luiz Barsi (Foto de divulgação)

SÃO PAULO – Popularizou-se nos últimos tempos o estereótipo, caricato até certo ponto, dos profissionais do mercado financeiro acelerando pelo “condado” da região da Faria Lima, em São Paulo, a bordo de patinetes elétricos com impecáveis camisas de tom azulado. São os chamados “Faria Limers”.

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O paulistano Luiz Barsi Filho, nascido em 1939 e conhecido pela aversão a qualquer tipo de ostentação, não poderia diferir mais da imagem.

O filho de imigrantes espanhóis começou a trabalhar aos nove anos, foi dono de corretora, editor de jornal e se tornou um dos mais bem-sucedidos investidores individuais do país – com uma fortuna estimada em aproximadamente R$ 2 bilhões – tendo constituído, ao longo de 53 anos, uma poupança previdenciária com ações boas pagadoras de dividendos.

Além disso, ele não faz nenhuma questão de estar no Itaim Bibi. Barsi prefere bater ponto no coração central da capital paulista, na rua Libero Badaró, colada ao pátio do Colégio, onde se localiza a sede do Corecon-SP, o conselho paulista dos economistas, que preside desde agosto do ano passado, em mandato que se estende até dezembro de 2021.

Em tempos de coronavírus, o veterano da Bolsa chegou a ter de ficar por algumas semanas confinado dentro de casa, na zona leste de São Paulo, por ser do grupo de risco. Mas assim que viu a Covid-19 reduzir a virulência, logo retomou a rotina.

“Vou morrer pela Covid-19, ou por ter de ficar tanto tempo trancado dentro de casa”, teria dito um aflito Barsi, durante o confinamento forçado.

Embora o país siga como um dos epicentros da pandemia, o oitentão, editor de economia do extinto impresso Diário Popular, entre 1970 a 1988, conserva o hábito de falar com a imprensa pessoalmente.

No dia 10 de agosto, pouco após o país ter alcançado a triste marca de 100 mil mortos pela pandemia, o octogenário investidor recebeu o InfoMoney na sala reservada à presidência do conselho. Ele chegou de máscara, mas logo tirou.

E quando o fez, não poupou nada nem ninguém. Na conversa, teceu críticas à possível tributação de dividendos, à nova leva de investidores na Bolsa e à composição do Ibovespa, bem como aos planos de previdência privada.

Barsi estava acompanhado da filha mais nova, Louise, de 25 anos, que há cerca de uma década deu início aos primeiros investimentos, ao receber do pai uma carteira de ações da Ultrapar.

“Se perguntar se tem Magazine Luiza, ela vai te chamar de louco”, brinca Barsi, em alusão às distorções de preço que têm identificado em alguns papéis no mercado.

Questionado sobre os ativos mais promissores diante da pandemia, o “rei dos dividendos” não quis entrar em detalhes, mas reforçou a aposta em empresas como Klabin, Sabesp e Banco do Brasil.

Já a filha Louise tem assento na diretoria ou no conselho de empresas como Eternit, Unipar Carbocloro e Santander Brasil.

Confira a seguir os principais trechos da conversa.

Dividendos

Conhecido por colher bons frutos de uma estratégia baseada nos dividendos pagos pelas ações listadas em Bolsa, Barsi é um crítico feroz da possível tributação dos proventos, ainda em fase de estudo pelo governo. “Acho um absurdo esse pessoal falar sobre tributar dividendos.”

Nos Estados Unidos, compara, em que as empresas têm os lucros tributados a partir de 15%, a depender do nível de faturamento, ele entende ser compreensível uma tributação adicional via dividendos.

No Brasil, em que a mordida do leão beira, em média, os 30% do faturamento, diz Luiz Barsi, não tem cabimento falar em uma nova tributação, ainda que com modificações em relação ao modelo vigente, que o governo ainda não anunciou quais serão.

O país, afirma ele, precisa do investimento externo para crescer. E ao aumentar ainda mais a tributação, o principal resultado, prevê, será a redução do interesse do estrangeiro de apostar na região, afastando o capital que poderia gerar emprego e renda.

“O nosso problema não é tributar os dividendos. O que o país precisa é reduzir a quantidade de marajás.”

Seja como for, Barsi acredita que o investimento em ações de empresas com forte geração de caixa, e em situação financeira confortável para distribuir boa parte aos acionistas, seguirá sendo uma estratégia vencedora, para quem adotá-la com disciplina.

“Todo mundo que puder percorrer um caminho como o meu terá um portfólio ótimo, com rendas boas, se seguir essa filosofia.”

A paixão é volúvel

Com uma visão que foge do padrão mais usual do mercado, o “rei dos dividendos” se mostra menos entusiasmado que a média com o comportamento resiliente do investidor pessoa física durante a pandemia.

“Quem está entrando na Bolsa não são investidores, mas pessoas que não estão conscientes do que é o mercado, que estão apenas fugindo da renda fixa.”

Barsi avalia que o crescimento exponencial de CPFs na Bolsa – que somavam 2,4 milhões em maio, ante cerca de 700 mil, em meados de 2018, e 1,6 milhão, em dezembro de 2019 – não tem consistência, por julgar que os novos entrantes não estão comprando ações por perceberem o valor da estratégia no longo prazo, mas, sim, por uma questão conjuntural de juros extraordinariamente baixos.

Se em um futuro próximo os títulos públicos voltarem a subir, a maioria logo vai retornar para a renda fixa, diz Barsi. “Ainda continua o carma de ser um agiota.”

Especulação comendo solta

O investimento em Bolsa, assegura o presidente do Corecon-SP, pode proporcionar um belo futuro à frente. Agora, se o investidor ficar em uma constante de compra e venda de ações sem fim, “não vai ganhar nunca, essa que é a verdade”.

Para ser bem-sucedido investindo em ações, afirma o bilionário, é preciso seguir dois princípios básicos – disciplina e paciência.

“Se conseguir administrar os dois fundamentos à perfeição, fatalmente o investidor terá uma boa carteira de renda mensal, desde que invista, que pratique o sentimento de ser paciente, e não o de carrasco da empresa. O especulador acaba sendo o carrasco do mercado, não o parceiro da empresa.”

Um mercado de ações estruturado de maneira plenamente funcional, diz Barsi, tem como objetivo maior a capitalização das companhias. “Lamentavelmente, o que tem acontecido aqui é mais um jogo especulativo do que efetivamente empresas se capitalizando.”

Segundo ele, os sinais do viés especulativo podem ser tirados de algumas métricas com que determinados papéis vêm sendo negociados.

“Tem ações com relação preço/lucro acima de 100 vezes. Magazine Luiza é uma delas. Isso é especulação. Quem compra está entrando em um túnel sem luz.”

Parte do problema, Barsi entende que decorre do fato de que, à Bolsa, não interessa ter investidores de longo prazo. “A Bolsa quer aplicadores que comprem e vendam sistematicamente, porque é daí que sai o emolumento. Esse é o viés do negócio.”

“A turma puxa é para vender”

Em relação à recuperação recente que colocou o Ibovespa de volta nos 100 mil pontos, o experiente investidor relativiza o desempenho pronunciado apontado pelo benchmark. “O índice não quer dizer nada, é uma carteira teórica representada por papéis com um desequilíbrio espetacular.”

Segundo ele, cerca de 10% das 77 ações que compõem o Ibovespa, devido ao peso desproporcional, pode induzir o investidor a uma interpretação errônea sobre as tendências de mercado.

Se os seis ou sete papéis de maior peso sobem, mesmo que todos os outros 70 recuem, o benchmark aponta que a Bolsa teve valorização, observa Barsi.

De todo modo, ele afirma que, em momentos de forte alta, é quando o investidor precisa levantar a guarda e ficar mais atento, buscando entender se a valorização é sustentada por fundamentos, ou por interesses particulares dos participantes de mercado.

Uma lição adquirida ao longo dos 53 anos investindo em ações, afirma o veterano da Bolsa, é que há uma velha máxima, segundo a qual “ninguém puxa o preço para comprar. A turma puxa é para vender”.

Ou seja, diante de um desempenho destacado de uma ação, ainda que a empolgação seja natural, Barsi diz ser importante que o investidor se atente para entender se o movimento é justificado pelos fundamentos da empresa, ou por fluxos financeiros que não necessariamente estão respondendo aos dados econômicos.

Guarda em riste na crise

Do alto dos bem vividos 81 anos completos em março, Barsi avalia a crise do coronavírus, sob um prisma histórico, como uma das mais severas que já presenciou em termos do impacto econômico, uma vez que ela impediu a maior parte das pessoas de exercer as atividades normalmente, o que não havia ocorrido nas crises “convencionais” anteriores.

No entanto, é igualmente importante ter claro em mente, diz o economista, que enquanto ainda pairam dúvidas sobre como será a retomada em alguns setores, como de companhias aéreas ou de lazer, em outros, o impacto pandêmico é sensivelmente menor.

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“O vírus não interferiu no crescimento das plantinhas da Klabin ou na Sabesp. Todo mundo continua bebendo água e tomando banho”, afirma Barsi, citando ainda o setor elétrico como dos mais resilientes dada a demanda inelástica.

Por isso, diz ele, é essencial que o investidor faça uma análise apurada para entender até que ponto a pandemia influiu na empresa, e até que ponto influiu somente na cotação da ação.

O experiente investidor diz que a crise da Covid-19 não provocou nenhuma alteração relevante no portfólio, do qual ele prefere não entrar em pormenores. “São posições que se constituíram de forma cinquentenária”, diz Barsi.

Em março, contudo, o investidor chegou a dizer que estava aproveitando a queda da Bolsa para ir às compras.

O óbvio ululante

Para quem estiver interessado em uma carteira que proporcione uma renda mensal adequada, o conselho dado por Barsi é o de que é preciso tentar comprar sempre o mais barato possível.

E sendo esse o objetivo, prossegue ele, a torcida tem de ser pela queda das ações. “Eu torço para o mercado cair, no sentido de as ações se transformarem em um objeto atrativo.”

Segundo Barsi, o investidor que se ater ao óbvio, sem inventar muita moda, é o que tem mais chance de se dar bem na Bolsa.

“O óbvio é aquilo que a pessoa menos vê. Ela enxerga mais a fantasia do que o óbvio. Minha recomendação é para que o camarada exorcize a fantasia, e se preocupe com o óbvio.”

O maior risco ao investir em ações, diz Barsi, é pagar mais do que o ativo de fato vale. “A ação do BB, por exemplo, está em R$ 33, e o valor patrimonial é R$ 38, então não tem risco, e tem muitas empresas assim”, afirma ele, que em dado momento da vida chegou a contratar um plano de previdência privada, até para ter a própria avaliação a respeito do produto, explica.

A impressão que restou, contudo, não é das melhores. “Fiz um plano pequeno tempos atrás, a título experimental, mas a conclusão que cheguei é que, se prosseguisse, seria ludibriado”, afirma Barsi, apontando as taxas, a tributação e eventuais interesses dos envolvidos na administração dos produtos como barreiras.

Linha sucessória

A filha Louise, diz Barsi, foi naturalmente incorporando, ao longo de sua criação, a mesma filosofia de investimento da qual ele próprio também se inspira.

“A filosofia não é minha, ela existe, está aí para quem quiser seguir. Mas é algo que a Louise faz com brilhantismo”, derrete-se o orgulhoso pai, acrescentando que a caçula acumula vantagens em relação a ele próprio, com um conhecimento tecnológico para extrair o máximo de informações disponíveis no mundo digital.

“A gente sabe que nomes abrem muitas portas, mas só ter o nome não é suficiente”, diz Louise, com assento na diretoria da Eternit, e no conselho de empresas como Klabin, Unipar Carbocloro e Santander Brasil.

Aos 14 anos, em vez de uma mesada convencional, recorda ela, o pai lhe presenteou com uma carteira de ações da Ultrapar, cuja renda mensal via dividendos correspondia a aproximadamente R$ 300,00.

“Ou você gasta, ou reinveste”, disse Barsi na ocasião. “Fui aos poucos reinvestindo, e percebi o retorno gerado pela inevitável bola de neve que é criada”, afirma Louise, analista CNPI e uma das fundadoras do projeto de educação financeira “Ações Garantem o Futuro”, que busca dar continuidade à disseminação da filosofia de investimentos defendida pelo pai.

Os papéis da Ultrapar ela manteve no portfólio até 2018, quando foram trocados por Itaúsa. “Se perguntar se tem Magazine Luiza, ela vai te chamar de louco”, diverte-se Barsi.