A polémica ao redor da prospeção ilegal de hidrocarbonetos na ZEE grega feita pela Turquia traz-me à memória os acontecimentos de 1974, quando as forças armadas turcas invadiram a zona norte de Chipre e fundaram a República Turca do Norte de Chipre. Seguiu-se muito frenesim, mas apesar da condenação internacional, a situação mantém-se há mais de 45 anos nos termos impostos pelos turcos.

Dada a importância do que está em jogo, Erdogan não vai abdicar facilmente dos seus objetivos. A Grécia não tem poder militar para o demover. Convém, no entanto, sublinhar que nem turcos nem gregos estão interessados em resolver militarmente a disputa. Por isso, é muito improvável que a crise venha a deflagrar num conflito militar.

Há desenvolvimentos interessantes no campo diplomático. A NATO não condenou a ação da Turquia e manteve-se equidistante das posições em confronto. Não vai interferir nem tomar posição. A Rússia mostrou-se também disponível para mediar, mas as partes não manifestaram interesse na sua mediação. Os EUA mostraram alguma preocupação com a ação turca e assinaram um acordo para criarem um centro de treino em Chipre, algo que desagradou à Turquia.

Também a UE tem procurado manter uma posição equilibrada, apesar de se perfilarem no seu seio dois campos. O mais assertivo na condenação da ação turca é liderado pela França, cuja animosidade relativamente à Turquia se prende, em grande medida, pelas suas posições na guerra civil líbia, em que apoiam campos opostos. O incidente no mar, no dia 17 de junho, que envolveu navios franceses e turcos veio acicatar essa animosidade.

O Alto Representante Josep Borrel preparou uma lista de possíveis reações europeias a serem acordadas na próxima reunião extraordinária do Conselho Europeu, agora adiada para 1 de outubro, as quais refletem o impasse que se vive no seio da UE, sobretudo quando se fala de sanções à Turquia, um tema extremamente controverso.

Se Angela Merkel não está interessada em hostilizar os cerca de cinco milhões de votantes turcos que vivem no seu país, também muitos Estados-membros não estão interessados em que a Turquia rompa com o acordo celebrado com a UE, e abra as suas fronteiras aos cerca de três milhões de emigrantes e refugiados que alberga no seu território. Por outro lado, Chipre já ameaçou vetar a imposição de sanções à Bielorrússia, se a UE não impuser sanções à Turquia.

Importa perceber o quão solidária a UE vai ser com a Grécia e com Chipre, como se vai comportar na hora da verdade. Estamos perante mais um teste à União e à sua normatividade. Pelo andar da carruagem, a probabilidade de Atenas ficar sozinha, como ficou em 1974, é extremamente elevada.

Perante a indefinição da NATO e da UE, parece não restar à Grécia outra opção que não seja a adjudicação internacional, ou na forma de arbitragem – para o que teria de contar com a vontade turca – ou recorrendo a um tribunal internacional. É o que está a fazer ao levar o caso para a ONU, e demonstrar nesse fórum a evidente ilegalidade da ação turca.

Não deixa de ser perturbador que, num caso destes, de uma flagrante violação do direito internacional no espaço da União, não surja um mediador – Estado ou Organização – com capacidade para “convencer” a Turquia dos méritos de uma solução diplomática fazendo Ancara mudar de ideias, convencendo-a do custo da prevaricação.