O tão esperado acordo por Brumadinho chegou: Vale vai virar a página e mudar de patamar na Bolsa?

Analistas acreditam que sim - e destacam que a companhia pode manter o pagamento de dividendos, apesar do impacto contábil bilionário do acordo no balanço

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Depois de mais de dois anos e de muitas idas e vindas, a Vale (VALE3) chegou a um acordo com as autoridades de Minas Gerais de reparação dos impactos do rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, que vitimou 270 pessoas e gerou um rastro de destruição ambiental. O valor total do acordo, assinado durante a manhã desta quinta-feira (4), foi de R$ 37,68 bilhões, o maior com a participação do Poder Público já firmado na América Latina – e um dos maiores do mundo.

Apesar dos montantes vultuosos a serem desembolsados pela mineradora, os analistas de mercado celebraram o acordo de reparação, uma vez que encerra um grande impasse para a companhia, foi em linha com o que estava sendo noticiado nos últimos dias (e abaixo do projetado por algumas casas) e pode representar uma virada de página para a mineradora, ainda que os efeitos e os danos para a imagem da companhia ainda devam ser sentidos por muitos e muitos anos.

Assim, ainda que as ações tenham reagido pouco com a definição – os papéis fecharam em queda de 1,26% após abrirem com alta, a visão é de que a companhia conseguirá mudar o patamar dos seus ativos após o acordo.

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Com o entendimento, que leva ao encerramento das ações judiciais coletivas relacionadas a danos socioeconômicos e socioambientais e dá celeridade às compensações pelo colapso da estrutura em Brumadinho (MG), a Vale informou que reconhecerá uma despesa adicional de R$ 19,8 bilhões em seu resultado de 2020. Do montante a ser acrescido em seu balanço, R$ 5,4 bilhões do acordo “serão quitados mediante a liberação de depósitos judiciais”, enquanto R$ 14,4 bilhões de reais “serão acrescidos no passivo associado à reparação socioeconômica e socioambiental de Brumadinho”.

O acordo prevê dezenas de projetos, divididos em diferentes grupos de despesas, incluindo programas de transferência de renda, recuperação e proteção ambiental, segurança hídrica, mobilidade, dentre outros.

Cerca de 30% dos recursos previstos têm como objetivo beneficiar o município e a população de Brumadinho, onde a
barragem se rompeu, deixando cerca de 270 mortos, além de atingir a cidade, mata, rio e instalações da própria mineradora,
explicou o governo de Minas Gerais em comunicado. Outros montantes serão direcionados em benefício da população do Estado mineiro.

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A definição do acordo prevê a reparação de danos coletivos, excluídas as indenizações individuais dos atingidos, que podem
buscar a garantia de seus direitos junto ao Poder Judiciário, e questões relacionadas a um processo criminal em curso.

Segundo a Vale, mais de 8.900 pessoas já fazem parte de acordos para indenização civil ou trabalhista, celebrados com a
mineradora, que somam mais de R$ 2,4 bilhões. Além disso, mais de 100 mil pessoas também receberam, desde
2019, pagamentos de auxílio emergencial que alcançam R$ 1,8 bilhão.

No entanto, vale destacar que o valor total a ser pago pela Vale poderá extrapolar o anunciado, uma vez que o entendimento também não prevê um teto financeiro a ser gasto com a reparação do meio ambiente, que ficará a cargo da companhia. Para a reparação socioambiental, estão previstos inicialmente R$ 6,55 bilhões, o que inclui um valor de R$ 1,55 bilhão para compensação de danos ambientais já conhecidos. Um dos projetos desenvolvidos como compensação é a universalização do saneamento básico nos municípios atingidos.

O acordo também prevê o encerramento das discussões judiciais referentes aos danos socioambientais e, portanto, não inclui ações penais, danos desconhecidos e direitos individuais. Isto é, as ações individuais por indenizações e criminais permanecem em andamento.

Para o Bradesco BBI, a notícia é muita positiva para a Vale, pois elimina potenciais novas ações judiciais de autoridades relacionadas ao acidente de Brumadinho. Além disso, os analistas apontam que o valor de despesas adicionais está abaixo da estimativa e do consenso, uma vez que o valor projetado era acima de R$ 20 bilhões.

Cabe ressaltar que, durante diversas reuniões, o valor solicitado pelos entes governamentais era de R$ 54 bilhões, o que, na visão da Vale e de consultorias, não havia nenhum amparo teórico, enquanto a mineradora oferecia por volta de R$ 29 bilhões.

O prazo para o desembolso do dinheiro deve ser entre três e cinco anos, na avaliação do BBI. Com isso, a projeção é de que o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) do quarto trimestre de 2020 seja negativamente impactado pelas despesas adicionais de R$ 19,8 bilhões (impacto contábil). Assim, também haverá impacto nos dividendos mínimos, uma vez que são calculados como uma proporção de 30% do Ebitda menos o capex (investimentos em bens de capital) de manutenção.

“No entanto, notamos que a Vale terá espaço em seu balanço para pagar dividendos extraordinários maiores de forma a compensar esse impacto e, portanto, mantemos nossa estimativa de dividendo de US$ 9 bilhões para o ano, ou um dividend yield (valor do dividendo em relação ao preço da ação) de cerca de 10%”, apontam Thiago Lofiego e Isabella Vasconcelos, analistas do Bradesco BBI.

Com uma relação entre dívida líquida e Ebitda de 0,4 vez esperada para a empresa em 2021, os analistas da XP Investimentos também apontam que os dividendos não devam ser afetados, embora o rendimento do dividendo mínimo possa cair de 9% para 7,5%.

“É importante destacar que nosso cenário base permanece considerando um retorno com dividendos de 9% para 2021, com forte balanço patrimonial da Vale e geração robusta de caixa daqui para frente (retorno com fluxo de caixa de 20% em 2021, assumindo preço médio de US$ 135 a tonelada para o minério de ferro)”, apontam os analistas Yuri Pereira e Thales Carmo.

Também na avaliação do Credit Suisse, as despesas adicionais poderiam impactar os dividendos mínimos esperados para março, pois reduziriam o Ebitda da Vale em cerca de US$ 3,7 bilhões e, portanto, poderiam cortar o dividendo mínimo em cerca de US$ 1 bilhão (ou diminuindo o dividend yield em 1,3%). Mas eles também reforçam que há muito espaço para que a empresa pague dividendos extraordinários dada a sua baixa alavancagem.

Confira os valores do acordo:

US$ milhões R$ milhões *
Acordo Global 7.006 37.680
Acordo (Despesas adicionais) 3.680 19.800
Passivos adicionados 2.677 14.400
Depósitos judiciais 1.004  5.400
Despesas prévias e provisões atuais 3.325 17.880
Dívida Líquida 8.507 47.752
Dívida Líquida (incluindo o acordo) 12.187 65.545
Dívida líquida/Ebitda esperada para 2021** 0,4x
*Câmbio a cerca de R$ 5,38
**Expectativa XP

Um novo capítulo na história

Para Carlos De Alba, Eduardo Bordalo e Jens Spiess, do Morgan Stanley, o acordo é um resultado positivo para todas as partes envolvidas, e principalmente para a Vale, também com provisões adicionais menores do que os analistas esperavam (de cerca de US$ 3,7 bilhões em 2020 contra US$ 4 bilhões estimados pelo banco para reconhecimento no primeiro trimestre de 2021).

“Acreditamos que o acordo reduz significativamente as incertezas para a empresa relacionadas à reparação de Brumadinho. As provisões adicionais, em nossa opinião, não afetarão materialmente o valuation e as finanças da empresa”, apontam os analistas.

Para Caio Ribeiro, Gabriel Galvão, Gabriel Spillmann, analistas do Credit, o acordo permite à Vale virar a página do capítulo de Brumadinho e, dessa forma, remover o que percebem ser um importante fator de desconto para a ação, abrindo caminho para uma reclassificação.

“Há algum tempo, argumentávamos que praticamente qualquer cenário realista de um acordo teria sido positivo para a Vale, inclusive se fosse fechado com o valor original solicitado pelo governo de R$ 54 bilhões. Isso se deve ao valuation profundamente descontado da Vale de 2,1 vezes o valor da empresa sobre o Ebitda ante um múltiplo justo mais próximo de 4 vezes a 4,5 vezes”, avaliam os analistas do banco suíço.

Outros bancos, como o Morgan e o BBI, também apontam esperar um potencial “re-rating”, ou reclassificação, das ações da Vale, negociadas com desconto em relação aos seus pares como Rio Tinto e BHP.

“Acreditamos que uma parte importante do case para reclassificação das ações da empresa está resolvida e esperamos que os investidores (particularmente investidores internacionais) gradualmente retornem para as ações, considerando também que a empresa está avançando rapidamente em sua agenda de segurança de barragens e ESG (como são chamadas as melhores práticas ambientais, sociais e de governança)”, destaca o Bradesco BBI.

Entre as medidas, a empresa já apontou que vai desistir da exploração de carvão em Moatize, em Moçambique. A companhia anunciou ainda no ano passado que pretende se tornar uma empresa de carbono neutro até 2050 e reduzir 33% de suas emissões até 2030.

Recomendações de compra são maioria

Morgan, XP, BBI e Credit possuem recomendação de compra ou equivalente para as ações da Vale negociadas na B3 ou para os ADRs (American Depositary Receipts, na prática os papéis da companhia negociados na Bolsa de Nova York), também destacando as perspectivas positivas para o preço do minério de ferro. Entre as casas que cobrem as ações VALE3, segundo compilação da Refinitiv, 7 possuem recomendação de compra e 1 recomendação neutra; no caso dos ADRs, são 20 recomendações neutras e 2 de manutenção, com uma visão majoritariamente positiva sobre os ativos.

De acordo com a agência de classificação de risco Fitch Ratings, o acordo deve permitir que a empresa aumente seu foco na melhoria da produção em 2021, mantendo assim o rating da mineradora.

“Positivamente, o plano do acordo estabelece as diretrizes e a governança para execução do plano de reparação socioambiental da Vale. Isso deve permitir que a empresa aumente seu foco na melhoria da produção durante 2021”, afirmou a agência. Em dezembro, a mineradora projetou que a produção de minério de ferro fique entre 315 milhões e 335 milhões de toneladas em 2021.

A Fitch estima que a Vale gerou cerca de US$ 22 bilhões de Ebitda durante 2020. Ao fim do terceiro trimestre, a Vale tinha US$ 9 bilhões em caixa e US$ 13 bilhões de dólares em dívida total, pontuou. “A Vale está se beneficiando dos preços elevados do minério de ferro e do cobre devido aos níveis recordes de produção de aço na China, grandes quantidades de estímulos fiscais e monetários e interrupções no fornecimento”, afirmou a Fitch, em nota. A agência projetou que a Vale gerará cerca de US$ 28 bilhões em Ebitda durante 2021, usando uma hipótese considerada por ela como “conservadora”, de preço de minério de ferro a US$ 115 a tonelada.

O Credit, por sua vez, reitera recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para os ADRs da companhia, com preço-alvo de US$ 26 (ou um potencial de valorização de 56% frente o fechamento da véspera) destacando o valuation atrativo, perspectiva de retorno de dividendos e avaliando que o re-rating da ação deve acelerar. “Em última análise, acreditamos que o valuation da Vale ainda é muito atraente para os investidores ignorarem”, apontam os analistas. Já o Bradesco BBI coloca o papel como o preferido do setor, com preço-alvo de US$ 24 para os ADRs, ou potencial de valorização de 42%. O Itaú BBA, por sua vez, elevou o preço-alvo para o ADR após o acordo, de US$ 18 para US$ 20.

Cabe destacar que, na noite da última quarta, a Vale divulgou seus dados operacionais do quarto trimestre. Apesar dos números terem sido avaliados como neutros pela maior parte dos analistas de mercado, eles impactaram positivamente o preço do minério de ferro na China, uma vez que mostraram que a companhia ainda lutando para recuperar plenamente suas operações após o desastre de Brumadinho e a pandemia de coronavírus.

O minério de ferro na bolsa de commodities chinesa de Dalian encerrou o pregão diurno da quinta-feira com alta de 5,3%, a 991 iuanes (US$ 153,41) por tonelada, após dois dias de perdas.

A Vale registrou uma queda de 0,5% na produção de minério de ferro em 2020, para 300,4 milhões de toneladas, no limite inferior de sua meta de entre 300 milhões e 305 milhões de toneladas, embora tenha sinalizado uma potencial recuperação tanto na produção quanto nas vendas neste ano.  A empresa teve recuo de 5% na produção em comparação trimestral devido a maiores chuvas e restrições em barragens de rejeitos.

“A mineradora brasileira tem sofrido para aumentar a produção após restrições relacionadas ao vírus no ano passado”, disse o analista de commodities da ANZ, Daniel Hynes. “Eles também estão atrasados na obtenção de aprovações de segurança para barragens depois do desastre (de Brumadinho)”, apontou.

Os desafios da Vale contrastaram com um otimismo sobre as perspectivas de embarques de minério de ferro do Brasil neste ano, impulsionadas por dados mostrando maiores exportações em janeiro. Recentemente, a commodity passou do patamar dos US$ 175 nos primeiros dias do ano para cerca de US$ 150 com as menores margens de siderúrgicas e os incentivos do governo chinês para usar menos aço, além das expectativas sobre os dados de oferta para esse ano.

Agora, após os dados apresentados pela companhia na véspera, casas como o Bradesco BBI e o Safra esperam que a produção da Vale deva ficar em torno de 320 milhões de toneladas em 2021, dentro das projeções da empresa entre 315 milhões e 335 milhões de toneladas.

Nesse cenário, as expectativas de que o minério fique acima de US$ 100 em 2021, ainda que registre uma tendência de baixa das cotações, o que também ajuda a impulsionar as projeções para as ações da Vale, positivas para boa parte dos analistas de mercado – ainda mais impulsionadas pelo acordo da véspera.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.