“Uma boa reforma tributária poderia aumentar o poder de compra da população em 20% num prazo de 15 anos”, diz Bernard Appy, um dos mentores da PEC 45
Economista e ex-número 2 do Ministério da Fazenda critica alto número de exceções nas leis tributárias brasileiras e fala sobre a perspectiva de mudanças
O ex-secretário de Política Econômica do então Ministério da Fazenda entre 2003 e 2008, Bernard Appy, entende que o sistema tributário brasileiro está cheio de problemas que dificultam o crescimento do país. Durante participação no podcast RadioCash, Bernard defendeu que, com uma reforma ampla, o poder de compra da população pode aumentar em até 20% em 15 anos. Na conversa com o estrategista-chefe da Empiricus, Felipe Miranda, e o CIO da Vitreo, George Waschmann, ele também apontou possíveis soluções para a questão dos impostos.
O tema está em alta, já que, na última sexta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou mais uma fatia da proposta de reforma, sugerindo mudanças principalmente no Imposto de Renda. Outro debate que já está rolando no Parlamento é o da unificação de Pis e Cofins.
Questionado sobre a real necessidade de reformar as regras do jogo de impostos, taxas e contribuições no Brasil, o tributarista foi enfático:
“Para entender o quão ruim é o sistema tributário brasileiro, é preciso entender o que é um bom sistema tributário: aquele que distorce o mínimo possível a organização da economia e favorece o crescimento. Nosso sistema é ineficiente, especialmente na tributação do consumo. É injusto, uma parcela grande de pessoas de alta renda paga pouco imposto, já que o sistema permite isso. Um bom sistema tributário deve ser o mais progressivo possível, cobrando mais de quem pode pagar mais. Ele deve fechar também as brechas para a sonegação e a evasão fiscal”, sintetizou Bernard.
Saiba mais como o país pode ganhar competitividade e fazer sua economia avançar com a reforma tributária. Acompanhe a entrevista completa com Bernard Appy, convidado da semana do RadioCash, podcast da Empiricus em parceria com a Vitreo.
O especialista listou as cinco principais categorias que são tributadas no Brasil: consumo de bens e serviços; renda; patrimônio; folha de pagamento; e regulatórios (como importação, exportação, etc). Em sua visão, o sistema brasileiro apresenta distorções em todas as cinco categorias, mas as que mais prejudicam o desenvolvimento da economia estão associadas ao consumo.
“No mundo, geralmente o consumo é tributado pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Ele é cobrado em todas as etapas da cadeia de produção e distribuição, e em todas incide o sistema de crédito e débito [em que só é cobrada a diferença entre valor de compra e venda, ou seja, o valor agregado, já que os gastos com insumos têm direito a dedução].”
No Brasil, os tributos sobre o consumo, em geral, são cinco: três federais (Pis, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Em alguns casos, acontece a cumulatividade, quando o contribuinte não consegue recuperar o imposto de insumos adquiridos. É o que ocorre quando um prestador de serviço, por exemplo, que apura o ISS, não consegue obter créditos relativos ao ICMS de mercadorias consumidas em seu trabalho.
Bernard comentou também sobre quais seriam as características de um IVA ideal, que viesse a substituir os tributos citados. Para o economista, o novo imposto deveria:
- Incidir sobre uma base ampla, sem muitas classificações e subdivisões;
- Não ter nenhum tipo de cumulatividade;
- Ter regras homogêneas;
- Não apresentar benefícios e alíquotas diferenciados;
- Ser cobrado no destino;
- Desonerar exportações e investimentos, favorecendo a competitividade da atividade econômica nacional.
Um sistema de exceções que é prejudicial
Essas características, na visão de Bernard, não estão presentes no sistema tributário nacional. “A regra aqui não é simples. Praticamente temos só exceções e nenhuma regra. Em cada tributo tem uma quantidade enorme de alíquotas, regimes especiais, benefícios, que geram distorções. Biscoito recheado com chocolate e chocolate recheado com biscoito pagam alíquotas diferentes, por exemplo”, disse.
Outro ponto tocado pelo tributarista, que já foi o número 2 do antigo Ministério da Fazenda, foi a questão das vantagens fiscais de determinados setores ou localidades.
“Benefícios fiscais levam a problemas na organização da economia. Exemplo: um benefício de ICMS para montar um centro de distribuição em determinado estado. Para a empresa, faz sentido, já que ela reduz custos. Do ponto de vista do país, não. Ao invés de minimizar o custo de logística, você aumenta: maior uso de caminhões, combustíveis, estradas. São incentivos que só servem para que a mercadoria 'passeie' ”, avaliou.
Bernard ainda argumentou que esse tipo de ação promove uma disputa pouco saudável entre os entes da federação. “Os estados roubam empresas uns dos outros e ninguém ganha em desenvolvimento. É como um frigorífico se instalar em São Paulo, longe da criação de gado no Centro-Oeste, e uma montadora de carros se instalar no Centro-Oeste, longe do maior centro urbano do país”.
De acordo com o convidado, o Brasil é campeão de litígios e horas gastas pelas empresas por burocracias ligadas ao pagamento de tributos. A consequência: um crescimento menor, o que prejudica a renda da população.
“A renda per capita do Brasil cresce menos do que a de países desenvolvidos. Ao invés de nos aproximarmos, estamos nos afastando. Claro que o sistema tributário não é a única razão disso, mas é uma das principais. Segundo estudos, uma boa reforma tributária poderia aumentar o PIB e o poder de compra da população em 20% em 15 anos – isso apenas com as mudanças”, avaliou.
Quer saber mais sobre a Reforma Tributária? É só dar o play neste RadioCash com o economista e tributarista Bernard Appy
Quais os desafios para mudar o sistema tributário?
Perguntado sobre porque a Reforma demora a avançar se ela é tão vantajosa para o país, Bernard argumentou que, embora “trabalhadores, empresas e o governo percam”, não é algo fácil de se mexer, pois “envolve interesses federativos e setoriais”. Ele aponta, contudo, que mesmo os segmentos mais “beneficiados” pelas distorções atuais ganhariam com a reforma.
“Mesmo com hipóteses conservadoras, todos seriam beneficiados. Alguns mais, como a indústria, que é um dos mais prejudicados hoje. Até a educação e a saúde, que sofreriam com um aumento de preços relativo, ganhariam com o aumento de renda da população, já que sua demanda é muito elástica”.
Contudo, ele vê uma resistência, que só pode ser enfrentada com uma agenda política comprometida. “O governo federal atual jamais se interessou pela reforma ampla. Alguém precisa gastar capital político para algo que vai ser positivo para o Brasil e o conjunto da população. Tem que enfrentar o conflito entre benefícios difusos e custos localizados, ou o país não cresce”.
O objetivo da PEC 45
Bernard também falou sobre a PEC 45, da qual é mentor. Segundo contou, a proposta busca aproximar o modelo brasileiro do melhor padrão internacional, com transições para dar segurança jurídica a empresas, estados e municípios, que muitas vezes já fizeram investimentos vinculados a benefícios fiscais. A ideia é estabelecer um IVA de alíquota única, que pode ser modificada apenas por legislações locais, desde que seja transparente para os consumidores.
A PEC 110, outra que corre no Congresso sobre o tema, se aproxima da sua “irmã”, mas com algumas concessões, como benefícios e alíquotas diferenciadas.
“Antes da pandemia, eu estava mais otimista quanto à aprovação. À época, havia o apoio do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que favorecia. Agora, passa se for prioridade para o governo e para a equipe econômica. De qualquer modo, avançou-se muito em uma proposta viável para um próximo governo”, sintetizou.
Como dissemos anteriormente, o governo tem adotado uma estratégia de passar uma reforma fatiada, em vários projetos, pois considera que assim tem maior possibilidade de sucesso.
Para concluir, o economista destacou que empresários e entes federativos estão percebendo que, do jeito que as coisas andam, não está dando mais, o que deve facilitar o processo conforme o tempo passa.
“Enquanto não resolvemos, o empresário faz como fez nos últimos anos: briga com o fisco, entra em litígio, vai se virando com a ineficiência, o custo burocrático e a insegurança jurídica”.
Dê o play para conferir quais são as medidas aperfeiçoar o sistema tributário brasileiro, segundo o economista Bernard Appy, que participou do episódio 22 do RadioCash
Ibovespa vs. S&P 500: quem ganha na ‘eleição’ das bolsas?
No podcast Touros e Ursos desta semana, recebemos Matheus Spiess, analista da Empiricus e colunista do Seu Dinheiro, para comentar sobre o que esperar para as bolsas brasileiras e americanas daqui para frente
Foi dada a largada da corrida maluca: começou a campanha eleitoral, mas isso afeta mesmo os seus investimentos?
Na última edição do podcast Touros e Ursos, como a campanha eleitoral pode afetar seus investimentos, Nubank, IRB, entre outros destaques da semana
Fim do bear market e a hora do varejo: no Market Makers, as expectativas da Encore e da Versa para a bolsa
João Luiz Braga, da Encore, e Luiz Alves Junior, da Versa, foram os convidados do Market Makers na semana, passando suas visões para a bolsa
A era dos podcasts: depois de Bolsonaro no Flow, será a vez de Lula com Anitta no Pod Delas?
O ex-presidente disse em áudio que está “morrendo de vontade de participar e poder discutir um pouquinho o problema do Brasil, das mulheres, das crianças”
Onde investir com o fim da alta dos juros no Brasil: com a Selic chegando ao topo, é hora de mudar algo na carteira?
No podcast Touros e Ursos da semana, o debate é sobre como ajustar a carteira de investimentos ao fim do ciclo de alta dos juros, que se já não chegou, está realmente muito perto
Uma nova bolha de tecnologia está estourando? O podcast Touros e Ursos desta semana traz a resposta
Ações de tecnologia amargam perdas intensas em 2022 — nem mesmo as big techs escapam. Veja as perspectivas para esses papéis no curto prazo
Investimento numa hora dessas? Sim! De renda fixa a ações, de FIIs a criptomoedas, saiba onde investir no segundo semestre
O momento macroeconômico é difícil e pode ser que você tenha menos recursos para investir do que antes, mas ainda assim existem oportunidades. No podcast Touros e Ursos desta semana, falamos sobre elas
Como os criadores do podcast Stock Pickers querem fazer a cabeça do mercado com o Market Makers
Em parceria com a Empiricus, Thiago Salomão e Renato Santiago lançam novo podcast e querem começar clube de investimentos
Todos contra a Petrobras: pressões sobre a estatal transformaram as ações PETR3 e PETR4 em maus investimentos?
Após última alta nos preços dos combustíveis, governo intensificou a pressão sobre a petroleira, o que pesou sobre os papéis e também sobre o Ibovespa
O fim está próximo? Banco Central pode elevar juros pela última vez na próxima semana. Saiba o que esperar (e o que pode dar errado)
No podcast Touros e Ursos desta semana, discutimos o fim de algumas eras: do ciclo de aperto de juros no Brasil, do crescimento econômico americano e da existência da Eletrobras como estatal
Leia Também
-
Barril de pólvora — e inflação. Como o conflito no Oriente Médio e os juros nos EUA mexem com a bolsa e o dólar
-
O dólar volta a ficar acima de R$ 5,00: por que a alta da moeda é a grande surpresa do ano; e é hora de comprar a moeda americana?
-
O que falta para a bolsa brasileira andar em 2024? As ações da carteira de Thiago Salomão, fundador do podcast Market Makers
Mais lidas
-
1
Ficou mais difícil investir em LCI e LCA após mudanças nas regras? Veja que outras opções você encontra no mercado
-
2
Meu pai me ajudou a comprar um imóvel; agora ele faleceu, e meu irmão quer uma parte do valor; foi adiantamento de herança?
-
3
Novo imposto vem aí? Governo avalia criar cota e sobretaxar em até 25% excesso de importação de aço, mas teme disparada da inflação