O dólar à vista encerrou a sessão desta quinta-feira, 16, em alta firme no mercado doméstico de câmbio, escorado na onda global de fortalecimento da moeda americana, na esteira um avanço inesperado das vendas no varejo nos EUA em agosto, justamente na semana que antecede a reunião do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) em que pode ser anunciado o calendário para a redução dos estímulos monetários. Por aqui, investidores monitoraram as notícias sobre a tramitação das reformas no Congresso, em especial da PEC dos Precatórios – cujo desenlace é essencial para a definição do reajuste do Bolsa Família e, por tabela, do Orçamento de 2022.

A despeito da falta de fôlego do real para emendar pregões seguidos de apreciação, analistas notam que o dólar tem encontrado dificuldades para encostar na casa de R$ 5,30 e apresentado oscilações intradia bem mais modestas – o que pode ser interpretado como um sinal de que a alta das taxas de juros locais já serve como anteparo a apostas contra a moeda brasileira.

Em uma dinâmica similar a dos últimos três pregões, o dólar operou hoje em uma faixa estreita (de menos de 5 centavos) entre a mínima (R$ 5,3232) e a máxima R$ (5,2805). No fim da sessão, o dólar à vista era cotado a R$ 5,2650, em alta de 0,53%. Com isso, a moeda americana tem ligeira queda na semana (-0,04%) e ganho acumulado de 1,80% em setembro. Lá fora, o DXY – que mede o desempenho do dólar ante pares fortes – subiu cerca de 0,30%. Na comparação com divisas emergentes, os maiores ganhos da moeda americana forma contra a lira turca e o rand sul-africano, com altas superiores a 1%. Ou seja, desta vez o real não foi o ‘patinho feio’ da turma.

Parte dos analistas afirma até que, caso o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não tivesse desautorizado a expectativa de aceleração da alta da Selic, a taxa de câmbio poderia estar em nível menor. Com uma alta de 1 ponto porcentual do juro básico na reunião do Copom na semana que vem (dias 21 e 22), o mercado espera o comunicado da decisão para recalibrar as apostas em relação ao ritmo e a abrangência do aperto monetário. Uma Selic mais gorda, além de aumentar o diferencial de juros e, em tese, aumentar a atratividade da renda fixa doméstica, encarece o hedge e desestimula montagem de posições mais fortes contra o real.

Por ora, contudo, o mercado se mantém na defensiva, à espera da Super Quarta (decisões do Fed e do Copom) – que tem potencial para balançar a relação entre risco e retorno da moeda brasileira – e do avanço da pauta econômica em Brasília, em meio ainda há certo ceticismo com a postura menos belicosa do presidente Jair Bolsonaro.

No Congresso, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados começou a analisar nesta tarde o parecer do deputado Darci Matos pela admissibilidade da PEC dos Precatórios, que propõe o parcelamento das dívidas judiciais. Mais cedo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, defendeu, em evento, que as Casas legislativas entre em acordo para adoção do rito especial na tramitação da PEC. Em relação aos recursos para bancar o Auxílio Brasil (repaginação do Bolsa Família), Lira disse que o debate deve se “afunilar” entre outubro e novembro. Pela manhã, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que espera uma solução definitiva para os precatórios já na semana que vem.

A grande dúvida que paira sobre o Orçamento de 2022 é justamente como o governo vai compatibilizar o pagamento dos precatórios com o Auxílio Brasil sem subterfúgios que abram furos no teto de gastos – considerado a âncora fiscal do País. Para fechar essa conta, é necessário saber também qual será o desfecho da reforma do Imposto de Renda, que está no Senado, e seu impacto sobre a arrecadação.

“Se o quadro político continuar tranquilo, a gente nem precisa de grandes reformas. Ajeitando essa questão dos precatórios, a volatilidade tende a continuar baixa e o real pode se valorizar”, afirma o head de Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weig, ressaltando que o Brasil representa hoje uma oportunidade “bem interessante” para operações de carry trade, quando se observa as expectativas para juros e inflação 12 meses à frente.

Ele observa também que, após um período de extrema volatilidade em agosto, a taxa de câmbio (à exceção dos dias 8 e 9 de setembro, marcados pela relação às manifestações de 7 de setembro e à carta de Bolsonaro) tem oscilado entre faixas mais estreitas, o que pode abrir espaço para um desempenho melhor da moeda brasileira, uma vez que volatilidade menor significa, em tese, menos risco.

Em relação aos ventos externos, Weig espera que o Fed não mude a linha de seu discurso, com sinalização do início do ‘tapering’ no fim deste ano e alta de juros somente no último trimestre de 2022, o que garante ainda um ambiente global de muita liquidez. “As bolsas americanas tiveram uma realização nos últimos dias porque vinham de altas seguidas, mas ainda estão em patamar ainda bem elevado, e as taxas de 5 e 10 anos nos Estados Unidos estão no mesmo nível desde o meio de julho. O cenário externo ainda é favorável”, diz.