Entenda por que a Evergrande sinaliza desaceleração da China e seu impacto no Brasil

Nova postura do governo chinês deve permanecer por um longo período, preveem especialistas

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São Paulo

Nos últimos dias, as atenções do mercado financeiro global se voltaram quase que exclusivamente para a China, por conta do risco trazido por uma eventual quebra do conglomerado imobiliário chinês Evergrande.

No entanto, já faz algum tempo que um dos grandes responsáveis por impedir uma queda ainda mais pronunciada da economia global durante a fase mais aguda da pandemia vem dando sinais que trazem preocupações aos investidores, realçadas agora com os temores sobre a falência da Evergrande e os reflexos que poderia trazer para a economia e os mercados globais.

Arthur Mota, economista do BTG Pactual Digital, afirma que as maiores preocupações relacionadas à China começaram a aparecer em meados do segundo semestre do ano passado, quando o governo chinês sinalizou a adoção de uma nova postura intervencionista em setores como tecnologia, financeiro, educação e imobiliário.

Ele lembra que a postura do governo chinês se dá em um contexto de mudança no modelo de desenvolvimento. O avanço com taxas de dois dígitos nas décadas anteriores alimentaram um crescimento robusto, mas com o aumento da desigualdade. O governo trabalha agora para desenvolver o que é chamado de prosperidade comum.

Homem caminha diante de complexo habitacional da Evergrande em Guangzhou, na China - Noel Celis - 17.set.2021/AFP

O economista nota que, neste contexto de mudança de rumo, a Evergrande passou a sofrer financeiramente com a desaceleração provocada pela atuação do próprio Estado chinês e não teve condições de reduzir o seu alto nível de alavancagem.

"O setor imobiliário começou a desacelerar com força e rapidamente, e grandes incorporadoras como a Evergrande passaram a ter dificuldades de vender os empreendimentos em construção", aponta João Leal, economista da gestora de recursos Rio Bravo, controlada pelo conglomerado chinês Fosun.

Imagens que circularam na internet recentemente mostram prédios sendo demolidos na China por falta de demanda. Em um deles, 15 arranha-céus, parte do projeto Liyang Star City, foram demolidos após passarem oito anos inacabados por falta de compradores, de acordo com o economista Jonathan Hartley.

“Os investidores estão preocupados que um evento de crédito da Evergrande poderia contagiar outros desenvolvedores imobiliários, fornecedores, o sistema financeiro e a economia de forma geral”, diz o banco UBS, em relatório publicado nesta segunda-feira (20).

Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper, lembra que o setor imobiliário é vital no motor de crescimento local e, por tabela, no crescimento global. Representa cerca de 25% do PIB chinês. A perda de tração da economia como um todo seria inevitável se a Evergrande quebrasse e contaminasse o avanço da construção imobiliária.

Estabilidade social é prioridade

De toda forma, porém, Dumas não acredita que o evento envolvendo a Evergrande trará o mesmo impacto para a economia e os mercados que foi provocado pelo caso do Lehman Brothers, em 2008, nos Estados Unidos.

“Economia, política e sociedade é uma coisa só na China”, diz Dumas. Ele lembra que, caso o impacto econômico de uma eventual quebra da Evergrande comece a se disseminar por um grande número de pessoas, é provável que comecem a ocorrer manifestações populares, algo que o governo chinês evita a todo custo.

Na mesma linha, os analistas do UBS apontam que, em um cenário no qual a Evergrande deverá ter dificuldades para honrar com suas obrigações, o ponto mais importante a ser monitorado será como ficarão as entregas de projetos, sob a ótica da estabilidade social.

“Portanto, os compradores e fornecedores domésticos são os mais importantes entre os principais stakeholders”, escrevem os especialistas do UBS, que preveem algum tipo de reestruturação da dívida à frente da Evergrande.

Impacto econômico

Para o setor imobiliário chinês, os especialistas do banco dizem esperar por um aumento das preocupações com a entrega de empreendimentos e com o refinanciamento para outras incorporadoras.

Em um cenário pessimista, os novos lançamentos de empreendimentos poderiam ter uma queda de 20% em bases anuais ou até acima disso nos próximos meses, projeta o time de análise econômica do UBS voltado para Ásia.

Esse impacto, por sua vez, poderia tirar de 1 a 2 pontos percentuais no crescimento do PIB chinês, preveem os especialistas.

“De toda forma, o impacto macroeconômico no pior cenário de contágio provavelmente será menor do que a desaceleração imobiliária de 2014 e 2015, à medida que os estoques permanecem baixos e o excesso de capacidade no setor diminuiu”, diz o relatório.

Além disso, no caso de uma correção mais pronunciada no setor imobiliário, os analistas do UBS dizem que a expectativa é pelo anúncio de políticas fiscais e monetárias pelo governo chinês até o fim do ano, e, com algum atraso, alguns modestos ajustes também nas políticas para o mercado de imóveis.

Segundo o banco, reportagens da mídia local noticiaram recentemente que o governo chinês teria solicitado aos bancos que aprovassem a prorrogação do pagamento de dívidas pela Evergrande.

João Leal, da Rio Bravo, não descarta um cenário em que a incorporadora venha à bancarrota, mas avalia que, caso o governo entenda que o impacto econômico e social será relevante, é provável que ele atue de modo a evitar um risco de contágio maior.

“A preocupação do governo chinês parece ser com o mercado como um todo, e não com a Evergrande em si”, diz o economista da Rio Bravo.

Leal afirma que as medidas regulatórias começaram há pouco tempo, se considerados os planos de médio e longo prazo do governo chinês, e devem seguir como um ponto de monitoramento importante no radar dos mercados pelos próximos anos. “Vai ser um processo longo de uma nova política econômica que está sendo implementada no país”, afirma o economista.

Minério de ferro e aço

Para o Brasil, o maior impacto, diz o economista da Rio Bravo, vem da desaceleração econômica da China e de uma demanda menor por ferro e aço, com impacto para exportadoras de minério de ferro e para as siderúrgicas.

Qual será o nível desse impacto, diz Leal, é “a pergunta de um bilhão de dólares” que se faz hoje no mercado. “Não sabemos para onde vai o preço das commodities, até porque vai depender do esforço regulatório do governo, das próximas ações que serão tomadas”, afirma o economista.

O mercado segue agora em uma espécie de compasso de espera, para entender como será a atuação do governo local neste caso que ainda parece longe de uma solução definitiva, diz Gilberto Cardoso, presidente da consultoria Tarraco Commodiities Solutions e analista da plataforma OHM Research.

Cardoso lembra que, mesmo antes do evento envolvendo a Evergrande ganhar o noticiário global, desde meados de agosto essas empresas já vinham sob pressão, com as sinalizações de que o governo chinês de que realmente vai reduzir o nível de poluição gerado por seus processos industriais, com impacto no ritmo da produção de aço.

“Frente a essa combinação de fatores negativos para o setor, as ações das exportadoras de matérias-primas devem seguir sob intensa volatilidade ainda por mais algum tempo”, diz o consultor. Ele prevê uma maior pressão sobre o setor pelo menos até meados do início do ano que vem, após os Jogos Olímpicos de Inverno, que serão sediados pela China em fevereiro de 2022.

Dumas, do Insper, diz que, embora as commodities metálicas devam mesmo estar sob pressão nesse novo contexto que se desenha à frente, no caso das commodities agrícolas, a demanda que vem da China deve seguir em alta.

​“A China está em um processo de rebalanceamento da economia, e, se o investimento será menor, isso significa que o consumo deve ser maior”, afirma o professor, acrescentando ainda que o país asiático sofreu recentemente com febres suínas que reduziram seus rebanhos de porcos.

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