Cyrela, Usiminas, Minerva, B3: após queda da Bolsa, gestores ajustam carteiras de ações de olho nas oportunidades

Preferência é por empresas com bom caixa e margem de segurança, como dos setores financeiro, de óleo e gás, frigoríficos e siderurgia

Bruna Furlani

Publicidade

SÃO PAULO – No meio da turbulência causada pela piora do cenário político e fiscal, que levou a Bolsa a ser negociada perto dos 110 mil pontos e ter, em setembro, o pior desempenho em 18 meses, gestores de ações aproveitaram para ir às compras e se desfazer de posições que ficaram “caras” – e portanto, menos atrativas.

As projeções apontam para crescimento econômico de 1,57% no ano que vem, segundo o último Relatório Focus, do Banco Central, e os especialistas destacam que a procura deve ser por empresas com boa margem de segurança, caixa robusto e que estejam sendo negociadas com preços descontados.

“Se nós pensarmos pelo lado doméstico, vai ser um negócio meio difuso. O BC [Banco Central] vai agir para controlar essa inflação e a diferença vai ser o stock picking [escolha selecionada de ações]. Vai ser encontrar as assimetrias”, destaca André Lion, gestor da Ibiuna Investimentos.

GRATUITO

CNPJ DE FIIS E AÇÕES

Para informar FIIs e ações no IR 2024 é preciso incluir o CNPJ do administrador; baixe a lista completa para facilitar a sua declaração

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Além dos problemas domésticos, há ainda o cenário internacional mais complicado. Lion explica que se o Produto Interno Bruto (PIB) da China crescer menos, a economia de todo o mundo seria afetada. Aqui, o impacto poderia chegar via aumento do custo de capital e subida da taxa de juros.

“Seria razoável pensarmos ainda que teria uma desvalorização cambial com o dólar chegando a R$ 5,40 ou R$ 5,50. Nesse caso, empresas que estão com muita dívida e que abriram capital recentemente poderiam sofrer mais”, afirma Lion.

André Vainer, co-fundador e gestor da Athena Capital, completa dizendo que hoje o mercado está revendo os cenários.

Continua depois da publicidade

Estamos buscando aproveitar as oportunidades e verificar se houve algo que justifique o preço. O ambiente macroeconômico pode afetar o curto prazo, mas, às vezes, o mercado penaliza muito uma companhia, e a parte estrutural dela não mudou

André Vainer, da Athena Capital

Às compras

Ao falar das compras mais recentes que fez, Vainer cita dois exemplos: Cyrela (CYRE3) e Arezzo (ARZZ3), duas companhias em que a Athena não tinha investimentos até pouco tempo atrás.

No caso da Cyrela (CYRE3), o executivo explica que o mercado vem precificando um cenário bastante negativo, como se ela não fosse mais “uma empresa estruturalmente rentável”. “Se a Cyrela não for mais rentável, quem vai sobrar? Ela vai continuar a ser um bom negócio, apenas um pouco pior do que estava antes”, diz o gestor.

Segundo ele, não há como negar que a incorporadora vai ser afetada pelo aumento da taxa de juros e pelo menor crescimento da economia e impactos na demanda. Porém, estruturalmente, diz, ela segue atrativa com os desempenhos fortes das suas joint ventures.

Já sobre a Arezzo, Vainer argumenta que a empresa vinha entregando resultados fortes e que a gestora estava “namorando” a companhia. “Entramos agora pelo valuation [valor]. Antes, o preço não estava convidativo. Ela estava sendo negociada a R$ 100 perto de julho e agora voltou aos R$ 80″.

Leia mais: 
Menos macro e mais micro: gestores montam carteiras para se defender de ruídos políticos e de incertezas externas.

O gestor da Athena Capital diz que não houve um “evento específico” que tornou a empresa mais atrativa. No entanto, ele destaca que a Arezzo deve gerar valor na crise porque tem margens maiores e não precisa repassar tanto os recentes aumentos ao consumidor.

Mais casas também aproveitaram as quedas recentes para aumentar posições em papéis que já tinham na carteira. Na Ibiuna Investimentos, por exemplo, Lion diz que os preços mais atrativos fizeram a gestora expandir o percentual de alocação da carteira em Usiminas (USIM5) e Petrobras (PETR3; PETR4).

Ao detalhar os investimentos na Usiminas, o gestor da Ibiuna afirma que a China vem adotando práticas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa pelo setor de aço. “Nós estamos enxergando que deve haver uma redução de oferta, com a China deixando de produzir e de vender o aço. O país era um exportador líquido. Nesse cenário, acredito que a Usiminas pode se beneficiar, e ela está negociando a preços muito atrativos”, destaca.

Já sobre a Petrobras, o executivo defendeu que a empresa está “estupidamente barata” e que vem apresentando um programa de investimentos e desinvestimentos de forma bastante transparente e focada em gerar retorno ao acionista.

Lion não nega que ruídos em torno da política de preços da companhia têm gerado forte oscilação das suas ações. Mas afirma que isso não atrapalha as perspectivas mais positivas que mantém para a petroleira.

“A governança tem os seus limites, mas ela foi testada e ficou provado que ela funciona. Nós estamos no fim do ano e percebemos que a empresa continua com objetivo e gestão profissional. Além disso, os números e o posicionamento dela não refletem o valuation. Não faz o menor sentido”, pontua o gestor da Ibiuna.

Leia mais: 
CEO da Petrobras fala em “chance zero” de controlar combustível, mudanças de cargos em Alliar e IRB; aquisições e mais 

Apesar de gostar da petroleira, Lion afirma que o preço do barril de petróleo é bastante volátil e que montou também algumas posições para se proteger. “Estou short [apostando na queda do ativo] em futuro de petróleo e em futuro de minério de ferro para me proteger”.

Retornos hoje X retornos futuros

Diante do cenário mais conturbado, algumas casas também voltaram a olhar com maior atenção para empresas de qualidade e de menor risco. Julio Erse, CIO da Constância Investimentos, explica que esse tipo de companhia não vinha trazendo retornos do início da pandemia para cá – mas que a situação mudou e alguns papéis passaram a ter desempenho melhor.

O executivo argumenta que no começo da crise sanitária, o mercado estava pagando mais por empresas que ofereciam narrativas poderosas de crescimento. Era o caso, por exemplo, de companhias com geração de caixa mais distante, como as que investem em novas tecnologias e empresas de varejo eletrônico.

O problema, segundo Erse, é que boa parte dessas empresas não gera muito caixa hoje e que isso pode ser ainda mais preocupante agora que o Brasil vive um cenário de elevação dos juros – o que se projeta que poderá acontecer no futuro também nos Estados Unidos.

“Nós acreditamos que é preciso ter o crescimento para justificar o valuation de hoje”, diz o gestor. Empresas como bancos digitais – como o Inter, por exemplo – desafiam o modelo de negócio tradicional do setor, pontua Erse, mas seu crescimento só deve se transformar em lucro de fato em alguns anos. “Há um risco de execução. O investidor deve tomar cuidado para não trocar os retornos de hoje pelos retornos do futuro”, diz.

Com o olhar mais focado em empresas de qualidade e que geram caixa atualmente, Erse diz que aumentou recentemente a posição em alguns papéis ligados ao setor de proteína animal, como Minerva (BEEF3), e ao setor financeiro, com preferência para as ações do Itaú (ITUB4) e do BTG Pactual (BPAC11).

Leia mais:
Frigoríficos são as maiores altas da Bolsa em setembro e analistas destacam oportunidade em JBS e Minerva

O executivo afirma que o setor de proteína animal, especialmente bovina, deve se beneficiar porque o problema da gripe suína na Ásia ajudou a mudar o mix de consumo no continente para a carne bovina – além do que fatores ambientais, como as queimadas têm ajudado a manter os preços do boi mais elevados.

Já ao comentar sobre alguns dos bancos que tem na carteira, o executivo da Constância pontuou que o BTG Pactual, por exemplo, tem um projeto digital desenvolvido, com a vantagem de que ele ainda tem competência para fornecer crédito, algo que outras instituições ainda estão tentando fazer.

Na fase do “namoro”

Os preços mais atrativos também levaram a IP Capital Partners a realizar algumas mudanças marginais na parcela da carteira que possui exposição à Bolsa brasileira – que corresponde a cerca de 30% do portfólio.

Karen Hime, cogestora das estratégias IP Participações, IP Atlas e IP Previdência, diz que a casa aproveitou algumas correções de mercado para olhar alguns ativos. “Quando temos mudanças macroeconômicas, nós utilizamos isso como stress test [teste de estresse] das nossas teses de investimento”.

Os dois aumentos de posição, explica a gestora, foram em ações da B3 (B3SA3) e da Hapvida (HAPV3), que estavam próximas das mínimas. No caso da B3, Karen explica que o preço de hoje está descontando um futuro “consideravelmente pior” do que a companhia enfrentará.

Para a executiva, a continuação da expansão de empresas listadas e o crescimento de novas classes de ativos, como BDRs (certificados de ações emitidas por empresas estrangeiras e que são negociadas na B3) e ETFs (fundos de índices) devem sustentar uma expansão de receita saudável da companhia pelos próximos anos.

Já no caso da Hapvida, Karen afirma que uma das razões para o maior interesse é o fato de a sinistralidade (a relação entre o número de procedimentos acessados pelo beneficiário e o valor pago pela empresa para o plano de saúde) da companhia, por exemplo, ter crescido com o coronavírus. Outro fator, diz a executiva, é que a empresa vem se beneficiando da pressão competitiva de players que não possuem a eficiência ou rentabilidade necessárias para sustentar seus preços no médio e longo prazos.

Embora tenha aumentado algumas posições na carteira, a cogestora disse que a IP segue “namorando” alguns papéis. Uma das empresas que estão no radar é a Petz (PETZ3).

Karen afirma que a ação está hoje no “banco de reservas”, porém pode entrar em breve na carteira. Segundo ela, o crescimento do setor de produtos voltados para animais foi acelerado durante a pandemia e, recentemente, a companhia adquiriu a Zee.Dog, marca premium do setor pet por R$ 715 milhões – uma compra estratégica, na avaliação da gestora.

“O problema é que ela está negociando a um preço muito salgado. Estamos namorando. Ou ela fica mais barata, ou a gente tem uma compreensão maior de algumas frentes que ela pode ter, como, por exemplo, a ideia de lançar um plano de saúde”, pontua Karen.

Isso porque hoje a companhia já tem um ecossistema de hospitais a sua volta. No entanto, a executiva diz que ainda não há nada concreto sobre a ideia de montar um plano de saúde e que isso deve ficar mais tangível à medida em que for colocado em prática. “Nós não queremos pagar pelo sonho. Queremos pagar pelo sonho factível”, diz.

O que ficou caro?

Assim como há oportunidades, o período de queda da Bolsa acompanhado de um cenário mais complicado acabou expondo alguns papéis que ficaram caros e se tornaram menos atrativos na comparação com outras empresas.

Um dos papéis penalizados, segundo os gestores ouvidos pelo InfoMoney, foram os da mineradora Vale (VALE3). Lion, da Ibiuna, afirma que os preços do minério de ferro se mantiveram bem altos durante boa parte da pandemia, mas que o valor era insustentável.

Leia mais 
Fundos reveem aposta na Vale em meio a tombo de US$ 50 bilhões de valor de mercado

“Nós vínhamos reduzindo e agora basicamente zeramos a posição em Vale. O minério de ferro pode cair abaixo dos US$ 80. A China está exigindo a redução da produção de aço e isso vai impactar o minério de ferro. Se tivermos esse ajuste, as empresas vão começar a perder dinheiro”, argumenta o gestor.

Vainer, da Athena Capital, também diz que se desfez recentemente de toda a posição que tinha em Vale. Ele destaca que houve uma mudança aparentemente estrutural na China com relação à forma com que o governo local está encarando o setor de construção no país.

“O caso da Evergrande trouxe isso de uma forma mais rápida e notória. O governo antes incentivava essa demanda para o setor imobiliário e agora, está desestimulando”, diz. “Houve uma mudança de paradigma na demanda, e ela deve cair, o que deve afetar fortemente o minério de ferro”.