Faça o teste. Peça uma caixa de cerveja gelada pelo seu aplicativo favorito. Se você estiver no bairro do Ipiranga, na zona Sul de São Paulo, serão dez minutos — talvez pouco mais ou pouco menos — entre o pedido, o processamento do pagamento, a separação do produto, o acionamento do entregador e a chegada do item na porta da sua casa. A cerveja vai estar em seu copo antes de você completar a leitura das 1.400 palavras deste texto. Agora, se você estiver em uma cidade fora do perímetro urbano de Manaus, e comprar pelo e-commerce uma roupa para dar a um familiar no Natal, a entrega terá de percorrer um trajeto por rodovia, avião e provavelmente balsa até ser concluída ­— em alguns poucos dias. Mas, ainda assim, comemore. Anos atrás, demoraria semanas. Esses são dois exemplos de como o setor de transporte e logística evoluiu no Brasil nos últimos tempos. E ainda há muito a avançar para atender a um consumidor cada vez mais exigente por rapidez, pontualidade, eficiência e segurança.

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Um dos desafios é estrutural. Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), os investimentos públicos e privados em transporte e logística devem alcançar R$ 248,3 bilhões até 2026. Para suprir as necessidades do setor e acabar com os gargalos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, a entidade estima que são necessários pelo menos R$ 150 bilhões anuais — o equivalente a 2,26% do PIB — ao longo de uma década inteira. Em 2020, foram destinados R$ 23 bilhões, ou 0,31% do PIB. Apesar dos desafios e dificuldades, é um setor atrativo e que está aquecido com atuação de grandes players do comércio digital, como Amazon, Magazine Luiza e Mercado Livre, que investem pesado para melhorar a experiência de entrega aos clientes. É nesse cenário que a gigante americana FedEx Express, maior empresa de entregas expressas do mundo, tem ampliado sua atuação no País, onde está desde 1989. “O Brasil é um mercado chave para a FedEx e tem um enorme potencial para o desenvolvimento da indústria de transporte e logística”, disse à DINHEIRO Luiz Vasconcelos, presidente da companhia no País, que vai assumir a operação na América Latina a partir de 1º de janeiro de 2022.

No curto prazo, a companhia tem aumentado a capacidade de sua operação brasileira para atender ao crescimento de demanda atual, impulsionada pelo boom do e-commerce. Segundo dados do Mastercard SpendingPulse, as vendas on-line registram expansão de 75% em 2020. De acordo com a Ebit Nielsen, no primeiro semestre deste ano houve crescimento de 31% em relação ao mesmo período do ano passado, que já foi de escalada, com R$ 53,4 bilhões movimentados. “Esse mercado é uma de nossas prioridades operacionais”, afirmou o executivo brasileiro da companhia, que no ano fiscal 2021, encerrado em agosto, faturou globalmente US$ 84 bilhões (aumento de 21,4% em relação ao período anterior), com lucro líquido de US$ 5,23 bilhões (+305%).

Para absorver os pedidos no Brasil, a FedEx contratou mais de 400 veículos de coleta, entrega e transferência de carga para completar a frota de 2,9 mil veículos motorizados no País. Também criou posições pallets nos centros de distribuição e ampliou os dias e horários para o processamento de cargas e funcionamento dos nove hubs domésticos. Neste mês, mudou provisoriamente o modelo de avião (saiu Boeing 767-300 F e entrou o MD-11) para aumentar em 44% a capacidade de carga de seus voos na rota Memphis-Viracopos-Memphis. A alteração permite 52 toneladas de carga por voo. A empresa também iniciou processo de parcerias com companhias aéreas para embarcar produtos em voos diretos para seus destinos, sem escala no hub de Memphis. Foram adicionados embarques diretos do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), para a França, e do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), para o México e Dallas (EUA). Estão nos planos as rotas Guarulhos-Frankfurt (Alemanha) e Guarulhos-New Jersey (EUA).

HISTÓRICO A operação da FedEx no Brasil começou em 1989 e até 2012 esteve focada no transporte internacional de mercadorias. Naquele ano, a companhia concluiu a aquisição da pernambucana Rapidão Cometa e tornou-se uma empresa completa de transporte e logística com serviços domésticos. Foi um passo importante para a ampliação dos negócios por aqui. No momento da transação, eram 600 colaboradores da FedEx no País. Hoje, são 12 mil. Um aumento significativo amparado também pela aquisição global da holandesa TNT, em 2016, por 4,4 bilhões de euros, que teve reflexos no Brasil.

PARA O SETOR ACELERAR Acabar com os gargalos na infraestrutura, principalmente em rodovias que escoam as mercadorias, exige R$ 150 bilhões de investimentos anuais. (Crédito:Dirceu Portugal)

Nos últimos anos, os investimentos da companhia americana no País foram em infraestrutura ­— os valores não são revelados. No ano passado, inaugurou seu maior centro de distribuição da América Latina, em Cajamar (SP), com 50 mil m². Ainda no segundo semestre de 2020, instalou novos centros logísticos em regiões estratégicas de seis estados: Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina. E ampliou a filial carioca. “Com esses investimentos, adicionamos mais de 100 mil m² à nossa área operacional”, afirmou Vasconcelos.

Atualmente, a operação no Brasil possui 100 filiais, 96 centros de distribuição, 141 centros de envio e um avião que faz seis voos semanais Memphis-Viracopos-Memphis — até o ano passado eram quatro. Com esse poder de entrega, a empresa atende 5,3 mil das 5.570 cidades brasileiras. Os fretes são feitos majoritariamente em centros urbanos, mas atendem também regiões remotas, das mais variadas maneiras. “Há locais que acessamos de balsa, de barco ou até mesmo a pé”, disse o presidente.
Para Priscila Miguel, coordenadora-adjunta do Centro de Excelência em Logística e Supply Chain da FGV (FGVcelog), o setor ganhou ainda mais evidência com a pandemia. Para a especialista, operar no Brasil, onde as diferenças entre as regiões são notórias, seja em maturidade de processos, de infraestrutura, densidade, padrão de consumo, poder aquisitivo e de demandas, e oferecer acesso adequado à logística é desafiador. “Levar produtos para áreas distantes, sem infraestrutura e sem demanda concentrada, traz responsabilidade para quem promete essa entrega.”

Se o investimento em infraestrutura é importante para o setor de logística, avanços em tecnologia são fundamentais para tornar os processos mais eficientes. Automação e soluções inovadoras são vantagens competitivas. Rastreamento de embarques com informações em tempo real, sistema de chatbot que verifica endereços e prazos de entrega por meio da comunicação com o consumidor final e transformação das filiais para que fiquem semelhantes às americanas são alguns dos pontos explorados pela FedEx, segundo Vasconcelos. “Tivemos uma melhora média de 7% na produtividade das estações que já receberam o projeto.”

Na operação B2C, um sistema inteligente de distribuição de pedidos e esteiras automatizadas reduzem o tempo de processamento da carga nos hubs. Soluções aprimoradas de entrega na última milha estão sendo testadas nos EUA e no Japão. O robô Roxo (FedEx SameDay Bot), uma caixa do tamanho de um frigobar sobre rodas, com inteligência artificial, visa ajudar os varejistas a entregar remessas pequenas para clientes em suas casas e empresas usando tecnologia autônoma.

CORREIOS Em um setor em que investimentos são essenciais para a sobrevivência no mercado, os Correios praticamente pararam no tempo. O serviço de postagem, com 358 anos de história, tornou-se um elefante público antigo e pesado, com cerca de 100 mil funcionários, atolado em denúncias de corrupção. E apesar de ter revertido os prejuízos de anos anteriores a partir de 2019, quando fechou com lucro de R$ 102 milhões, e no ano passado, de R$ 1,5 bilhão, os investimentos são, em média, de R$ 300 milhões por ano. Estudo da Accenture aponta para aporte de R$ 2,5 bilhões anuais para a estatal se manter competitiva. Outros players que operam no País investem três vezes mais do que os Correios por ano, segundo o ministro das Comunicações Fábio Faria, com uma operação mais enxuta e eficiente. Com a situação fiscal e social do País, não há margem para aplicar esses valores. A privatização é caminho sem volta.

PESADO E INEFICIENTE Em meio a denúncias de corrupção e sem poder de investimento para acompanhar a evolução do mercado, os Correios estão na pauta de privatizações. (Crédito:Evandro Leal)

O projeto de autorização para venda à iniciativa está parado no Congresso. O governo quer efetivar a negociação em 2022. Mercado Livre e DHL devem entrar no páreo. Amazon e Magalu podem correr por fora, dependendo do modelo de privatização. Naturalmente, a FedEx é uma das interessadas. Mas a empresa não comenta o assunto. O que já diz muito. Ainda mais com os investimentos feitos por aqui até agora. A empresa que arrematar vira um colosso, mas terá de fazer uma força descomunal para reverter a cultura do funcionalismo público viciado em metodologias engessadas. Um desafio dentre tantos outros a serem enfrentados.

E se você seguiu a sugestão do início desta reportagem e pediu sua cerveja gelada, ela já deve ter chegado. Um brinde à logística.

ENTREVISTA: Luiz Vasconcelos, presidente da FedEx no Brasil

“Há espaço para melhoria nos portos, rodovias, ferrovias e aeroportos brasileiros” (Crédito:Claudio Gatti )

Quais são os maiores desafios para o setor de logística de entrega no Brasil?
A pandemia da Covid-19 naturalmente nos trouxe novos desafios. Responder ao boom do comércio eletrônico causado pelo isolamento social foi um deles. A pressão para absorver essa demanda de forma rápida e eficaz aumentou, o que exigiu preparação e planejamento muito bem definidos. Outro desafio logístico muito claro advém da dimensão do território nacional, contrapondo-se ao investimento em infraestruturas.

E como está a situação?
Vimos muitos avanços, mas ainda há espaço para melhorias nos portos, rodovias, ferrovias e aeroportos brasileiros. O principal meio de transporte do país continua sendo o rodoviário. Por isso, é necessário inovar constantemente. A segurança no País também deve ser vista como prioridade pelas empresas de transporte e logística. É necessário desenvolver estratégias e tecnologias inovadoras para garantir a segurança da carga e dos funcionários, o que nos fez investir em caminhões com blindagem elétrica.

O que o governo pode fazer para facilitar e melhorar o desempenho das empresas de logística?
Infraestrutura de qualidade é essencial para o desenvolvimento do setor de transporte e logística. As iniciativas relacionadas à reforma tributária também beneficiariam toda a economia do País. Quanto mais investimento em infraestrutura tivermos, melhor será para o crescimento e desenvolvimento da indústria de T&L, principalmente pelo fato de o Brasil ser um país de proporções continentais.

Como a empresa se preparou para o boom do comércio eletrônico?
É um dos nossos pilares de crescimento em todo o mundo, mesmo antes da pandemia. No Brasil, esse mercado é uma de nossas prioridades operacionais e estamos aprimorando nossa estrutura e portfólio de produtos para melhor atender a crescente e diversificada demanda de nossos clientes.

Qual é a importância das PMEs brasileiras para os negócios da FedEx?
Temos serviços e equipe especializada dedicada ao atendimento a esses clientes. Oferecemos suporte relacionado à exportação, por exemplo. Todos os anos, realizamos o Programa FedEx para Pequenas Empresas, uma iniciativa que visa a promover e a apoiar o crescimento sustentável de micro e pequenas empresas com prêmios em dinheiro e orientação empresarial para ajudar os empreendedores a expandir seus negócios nacional e internacionalmente.

Os consumidores estão cada vez mais exigentes quanto aos prazos de entrega?
Há uma demanda maior dos clientes em relação ao prazo de entrega, mas nem todos precisam de entregas urgentes. Trabalhamos com diferentes tempos de trânsito para atender a cada realidade. Podemos entregar um pacote do Brasil em até 24 horas nos Estados Unidos ou em mais dias dependendo da necessidade do cliente. No Brasil, os prazos de entrega também variam de acordo com a localidade e a demanda do cliente.

Como manter as taxas competitivas diante da alta inflação, principalmente de combustíveis?
Esse é um desafio que faz parte do nosso negócio. Tratamos os custos crescentes de combustível e outros por meio de planejamento e foco na produtividade.

Como a empresa acompanha a possível privatização dos Correios?
Monitoramos continuamente tudo que diz respeito ao nosso negócio, mas por questão de política interna, a FedEx não comenta sobre o assunto.