Por Reuters


Ampliação do calendário de plantio de soja em MT causa preocupação na Embrapa e indústria — Foto: Divulgação/Aprosoja

A extensão do calendário de plantio de soja até o dia 3 de fevereiro em Mato Grosso, maior produtor brasileiro do grão, colocou especialistas, a indústria de pesticidas e a Embrapa contra uma decisão do Ministério da Agricultura.

A preocupação é que a extensão do calendário, com o objetivo de beneficiar produtores de sementes, possa elevar o risco de doenças na lavoura, como a ferrugem asiática, já a partir da próxima safra 2022/23, com chance de impacto à produtividade, segundo opositores da medida.

O tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma ação protocolada pelo PSB, aguardando análise da Procuradoria-Geral da República (PGR).

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A própria Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ligada do Ministério da Agricultura, posicionou-se nesta semana, na ação no STF, contra a extensão do calendário de semeadura, ampliando os argumentos dos críticos da medida, aprovada em setembro do ano passado.

"Sim, é um problema para as safras futuras, mas já existe risco para a próxima safra, porque a soja de 2021/22 já estará por mais tempo no campo, permitindo mutações no fungo da ferrugem que não queremos", disse o presidente da consultoria Agroconsult, André Pessôa, à Reuters.

Ele, que também é engenheiro agrônomo, acrescentou que não é possível definir com certeza que a doença vai se espalhar mais facilmente no curto prazo. No entanto, disse ele, não existem elementos científicos capazes de dar segurança ao setor de que não há problema em ampliar o calendário em 33 dias.

O especialista explicou que o cenário ideal é plantar a soja mais cedo, pois quanto antes ela for colhida, menor é a chance de infestação por ferrugem, doença que pode comprometer de 30% a 100% da produtividade, nos casos mais extremos.

Ampliando o prazo de semeadura, a soja fica por mais tempo no campo entre uma safra e outra e aumenta também o que o especialista chamou de "ponte verde", sequência de plantas que permanecem vivas e onde o fungo da ferrugem pode permanecer.

Do ponto de vista econômico, o presidente da Agroconsult alertou que, além da perda de produtividade nas lavouras, a maior disseminação do fungo aumenta o número de aplicações com defensivos e, consequentemente, o custo de produção.

"Essas aplicações podem ter que ser feitas mais do que cinco, seis, sete vezes, e de produtos que têm um peso grande no custo do produtor, em um momento de oferta global escassa de insumos. Então, a aprovação dessa medida (pelo Ministério da Agricultura), além de ser um equívoco técnico, veio em um momento inadequado", avaliou

Ministério da Agricultura amplia janela de plantio de soja em alguns estados; Embrapa é contra

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Indústria de defensivos prejudicada

O presidente executivo da CropLife Brasil, Christian Lohbauer, disse à Reuters que a proliferação da ferrugem asiática, proporcionada pelo plantio até fevereiro, deve causar um problema para a indústria de defensivos no médio e longo prazo, ao reduzir os pesticidas eficazes contra a doença.

"Se a ampliação da calendário for mantida, daqui a 3-5 anos não teremos mais produtos para oferecer como alternativas de combate à ferrugem", argumentou.

Ele disse que o setor de defensivos agrícola vai insistir para que o STF adote o posicionamento da Embrapa e revogue a portaria do Ministério da Agricultura.

"Se o Supremo decidir que a Embrapa tem razão, o Ministério vai ter que assumir. É a última instância", afirmou.

Procurado, o Ministério da Agricultura não respondeu de imediato a um pedido de comentários.

A Embrapa informou, por meio da assessoria de imprensa, que aguardará a decisão para comentar, uma vez que o processo está em curso no STF.

No documento enviado ao Supremo, visto pela Reuters, a Embrapa declarou que já tinha um posicionamento estabelecido sobre a questão, disponível em seu site.

"Desde 2015 a Embrapa participa... de fóruns de discussão sobre a semeadura de soja em fevereiro no Estado de Mato Grosso. O posicionamento técnico da empresa, assim como da maior parte das entidades, sempre foi contrário à liberação, em razão do grande risco que a extensão da ponte verde", informa a publicação no site da Embrapa.

'Regaste de sementes'

A portaria com a extensão no período de plantio de soja atende a um pleito defendido pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), com a justificativa de que a semeadura seria feita para resgate de sementes.

Ao todo, 20 unidades da federação possuem um período determinado pelo governo federal para início e fim do plantio do grão, e Mato Grosso foi o único estado com a semeadura permitida até o segundo mês do ano.

Procurada, a associação não quis se posicionar sobre a discussão do tema no STF.

Quanto à questão sanitária, a gerente de defesa agrícola da associação, Jerusa Rech, admitiu que a ferrugem é muito propícia em períodos de alta umidade e temperaturas amenas, mas disse que com a adoção de medidas de controle sanitário adequadas "não há risco para a sojicultura" do estado.

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