A nostalgia está endossando um consumo que cada vez mais se assemelha ao garimpo. Muitos dos clientes que movimentaram os 33 bilhões de euros em vendas no mercado de peças de segunda mão em 2021 não estão atrás de barganhas, e sim de ícones de estilo que dificilmente seriam encontrados em outro lugar. Essa ascensão do vintage alçou coleções como as dos artistas japoneses Takashi Murakami e Yayoi Kusama para a Louis Vuitton à lista de desejos de muitos jovens da geração Z (nascidos entre 1996-2010), boa parte dos quais nem sequer tinha nascido quando as colaborações foram desfiladas. São pessoas de elevado poder aquisitivo e influência, principalmente nas redes sociais, que consideram o produto de moda à imagem das de obras de arte e, por isso, valorizam ainda mais a assinatura dos artistas na criação. No Cansei Vendi, um dos maiores brechós de luxo do Brasil, uma bolsa modelo speedy 35 da grife francesa personalizada com estampa desenhada por Murakami foi recentemente vendida por R$ 10 mil, enquanto um modelo novo da coleção atual sai a R$ 7,6 mil.

Uma das maiores febres desse mercado hoje, a clássica bolsa Fendi modelo baguette simboliza a virada do segmento vintage nos últimos anos. Onipresente em editoriais fashion e nas produções de influenciadores digitais para o Instagram e TikTok, não havia demanda para a peça há sete anos, quando era oferecida por R$ 900. “Hoje, vendemos uma Fendi baguette por R$ 4,5 mil no site em menos de um minuto”, afirmou Leilane Sabatini, fundadora e CEO do Cansei Vendi. É o mesmo que acontece com a Dior Saddle, bolsa recentemente relançada pela maison, o que acabou valorizando ainda mais a coleção original. Raridade Dior encontrada pela equipe da plataforma brasileira, uma Saddle foi recentemente comercializada a uma cliente de Hong Kong, que pagou R$ 8,8 mil pela versão micro. Em outros canais de revenda, o modelo pode ultrapassar R$ 17 mil, quando em bom estado e com alças originais.

LOOKS FAMOSOS Celebridades desfilam peças raras e icônicas nas ruas e em eventos. Abaixo, a atriz Zendaya com um Valentino vintage de 1992. (Crédito:Divulgação)

Com a abertura da primeira loja física Cansei Vendi neste mês, na esquina da Alameda Lorena com a Consolação, área nobre da capital paulista, a executiva espera triplicar as vendas neste ano. Por mais obstáculos que existam em encontrar itens vintage no Brasil, a empresa tem a seu favor uma lista estrelada de clientes, de consulesas a artistas (com idade superior a da Geração Z), como a atriz Myrian Rios e Luana Piovani, que também é sócia no negócio. Em comum: pessoas que tiveram acesso a esses produtos de grifes internacionais e que hoje “desapegam” com a equipe da plataforma. “A liquidez dessas marcas é alta porque elas representam o ingresso ao mundo do luxo”, disse Leilane, complementando que, apesar do sucesso dos modelos da Fendi e da Dior, são Chanel e Louis Vuitton, cujos preços dobraram no último ano, que lideram a preferência do público. O segmento aposta também na valorização da Kenzo, maison de origem japonesa que abriu as portas do mundo da alta costura para a Ásia e cujo estilista e fundador, Kenzo Takada, morreu no fim de 2020, vítima da Covid-19. “Existe um delay no mercado, principalmente porque o valor dessas peças está diretamente associado ao tempo.”

Só que o despertar para o valor simbólico na moda não é o que explica a ascensão do mercado vintage. A chegada ao mercado da nova geração, que aumentou as buscas por singularidade de estilo e um consumo mais sustentável, em rejeição à cultura fast fashion, é o que impulsiona a consolidação desse segmento globalmente nos últimos três anos. Com o poder de conexão das redes sociais, enfim, o vintage virou pop.

Evidentemente, as grandes marcas não deixam passar o movimento. Um dos casos mais emblemáticos remete a 1985, ano de lançamento da linha Air Jordan pela Nike. Naquele verão, o jogador de basquete Michael Jordan eternizou o modelo do tênis ao fazer uma enterrada que estilhaçou a placa de vidro da cesta na quadra. O calçado de Jordan se transformou em item de colecionador e foi leiloado em 2020 por R$ 3,3 milhões. Desde então, a Nike surfa no hype da sua linha mais desejada com edições limitadas, como os 23 pares produzidos em colaboração com o artista britânico Dave White, cujo valor hoje ultrapassa os 16 mil euros. “As grifes estão validando a nostalgia, o que valoriza ainda mais uma peça original e em bom estado”, afirmou Leilane. A própria Nike reedita seus Air Jordan, com um número cada vez maior de aficionados pela linha — já no modelo 35.

bNo ano passado, a repercussão do filme Casa Gucci (2021) alavancou as buscas por coleções antigas da marca italiana e vem mobilizando esforços de plataformas de revenda em todo o mundo para localizar os itens vintage do figurino usado por Lady Gaga, que interpreta Patrizia Reggiani, ex-esposa de Maurizio Gucci. O frisson com a grife provocou até alta das buscas pela era de Tom Ford (1990-2004) na casa, que, embora não seja o foco do longa-metragem, representa a reviravolta da Gucci, de marca decadente a uma das mais incensadas na alta costura. Mesmo o streetwear foi tomado pela tendência, ganhando reforço com grandes nomes do mundo artístico, tendo entre seus maiores fãs a cantora Rihanna, o rapper Jay-Z e a modelo Bella Hadid. Já nos tapetes vermelhos, essas peças raras passaram a ter tanto apelo quanto roupas recém-desfiladas nas passarelas das semanas de moda. A atriz Zendaya usou a tendência a seu favor na pré-estreia da segunda temporada da série Euphoria (HBO), da qual é protagonista, movimentando a internet nesta semana com a sua imagem em um Valentino vintage de 1992.

RARIDADE Linha Air Jordan da Nike tem cada vez mais aficionados. O par da colaboração com Dave White (abaixo)é vendido por 16 mil euros. (Crédito:Divulgação)

Ambas as grifes italianas lançaram, no ano passado, plataformas para comercialização de peças antigas de segunda mão, atraindo essas vendas para as suas casas. Desde 2021, Isabel Marant e Jean Paul Gaultier também surfam a onda do vintage como novo cool da moda. Em comum, disputam mercado em busca de se tornarem relevantes para a geração Z, um público que vem cumprindo a antiga promessa de revolucionar o consumo.