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Banqueiros não estão excessivamente preocupados com a subida da inflação

Os CEO da CGD, BCP, Novobanco, Santander Totta e BPI acreditam que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia vai ter impacto no rendimento disponível das famílias, mas não têm uma visão catastrófica do impacto que possa ter ao nível do cumprimento do crédito. No entanto avisam que tudo depende da duração do conflito.
  • Cristina Bernardo
12 Maio 2022, 08h39

O contexto do programa Negócios da Semana da SIC Notícias, onde foram entrevistados os cinco presidentes dos maiores bancos – Paulo Macedo (CGD), Miguel Maya (BCP), António Ramalho (Novobanco), Pedro Castro e Almeida (Santander Totta) e José Pedro Oliveira e Costa (BPI), foi o presumível impacto da inflação nos 7,2% em abril (o valor mais alto em 29 anos) na banca.

A presidente do BCE admitiu a subida das taxas de juro já em Julho. Christine Lagarde diz que o agravamento das taxas acontecerá “algumas semanas” depois do fim do programa de compra de dívida.

Paulo Macedo, CEO da Caixa Geral de Depósitos, começou por diz que “não antevejo uma recessão no curto ou médio prazo” em Portugal. Para o banqueiro o fenómeno da inflação tem razões concretas relacionadas como o custo da energia. No entanto admite que o nível da inflação não voltará aos mesmos níveis anteriores.

Considera que se a guerra acabar haverá uma redução dos custos da energia, no entanto manter-se-ão ainda os custos de transição energética e os custos de transporte e das commodities. “Isto leva as empresas a ajustarem os seus preços e a gerarem efeitos indiretos da inflação”, disse o CEO da Caixa que acredita que as taxas de juro, que estão a níveis historicamente baixos, vão aumentar.

“Haverá um impacto nas prestações dos créditos mas estamos a falar de valores que vão continuar historicamente baixos”, disse o CEO da CGD, que está à espera das três subidas de juro pelo BCE previstas pelo mercado (60 pontos base no final do ano).

Paulo Macedo considera que Portugal tem factores que servem de mitigantes ao impacto da subida dos juros e lembra que o crescimento do PIB no primeiro trimestre foi melhor do que o esperado. O outro efeito positivo é o turismo, defendeu.

No que toca às famílias, “há um agravamento das prestações do crédito, mas há também um maior nível de poupança, depois o valor dos imóveis não baixou e o nível de desemprego está em níveis muito baixos”, pelo que o presidente da CGD não antevê um impacto muito agressivo com a subida dos juros no rendimento disponível das famílias.

“Independentemente da guerra vamos ter uma desglobalização, o que significa maior inflação. Esse é um factor estrutural, bem como o custo da transição energética”, frisou o presidente da Caixa que admite ainda que se a guerra continuar “em 2023/2024 podemos assistir a uma recessão”.

O CEO da CGD foi depois confrontado com o facto de no relatório e contas de 2021, o banco público constatar que depois de mostrar resiliência face à pandemia, a economia mundial sofreu um “revés significativo com a eclosão da guerra entre a Rússia e a Ucrânia”, que “elevou o nível de incerteza e receios”.

“O setor bancário poderá vir a incorrer em perdas elevadas em função da possibilidade de incremento do número de falências de empresas e disrupções mais prolongadas em setores expostos ao crédito, com tradução em rácios mais elevados de crédito em incumprimento”, refere a CGD. A Caixa avisa assim que a inflação pode ser persistente e que num cenário extremo os efeitos da guerra podem provocar falências, aumentar o crédito malparado e pôr em causa a solvabilidade dos bancos.

A Caixa constata “a saudável posição de capital e de liquidez dos bancos portugueses”, mas alertou no relatório e contas que “o contexto de abrandamento da atividade e de incerteza quanto à evolução dos setores mais afetados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, poderá afetar negativamente e de forma muito célere a rendibilidade e, caso tenha uma magnitude significativa, a solvabilidade bancária”.

Os economistas da CGD defendem no relatório e contas que “se as pressões sobre os preços se traduzirem em aumentos salariais superiores aos previstos ou se houver implicações adversas persistentes do lado da oferta, a inflação poderá também ser ainda mais elevada e, sobretudo, persistente a médio prazo”.

O CEO da CGD explicou depois que esse não é o cenário central, é sim o cenário adverso.

O banqueiro lembrou ainda que os lucros dos bancos não pagam o custo do capital e que em Portugal ainda há muitos bancos que não têm rating de investment grade.

Depois foi a vez de António Ramalho, CEO do Novobanco antever que o período de inflação seja de um ano. Tal como Paulo Macedo, o presidente do Novobanco acredita nos “instrumentos da mitigação” do efeito da subida dos juros na economia e na banca.

O CEO lembrou ainda a subida das taxas de juro da República a 10 anos, que nos últimos 18 meses escalou 200 pontos base. “A economia portuguesa financia-se na base da indexação”, referiu.

O presidente do Novobanco admite que a Euribor ficará ligeiramente positiva em 2022 (em 30 a 40 pb), isto significa que o custo para as empresas vai ser razoavelmente contido. No entanto para os particulares, ainda que com todos os mitigantes, poderá haver um impacto nas prestações da habitação.

“Devemos estar mais preocupados com o aumento dos custos da energia, dos transportes e das matérias primas do que com as flutuações no custo do financiamento que se tem mantido particularmente baixo”, referiu Ramalho no programa da SIC Notícias.

“Tudo indica que banca nesta crise vai fazer parte da solução e não do problema”, disse António Ramalho.

O CEO do Novobanco admitiu, no entanto, alguns custos para a banca ao nível da constituição de mais imparidades, decorrentes do impacto dos custos de contexto nas empresas de alguns setores.

O banqueiro realçou ainda algumas medidas adotadas ao nível da contenção dos custos energéticos, da reorganização do processo de logística e do custo de transporte e da organização e da capacidade de stockagem. “A situação está controlada para passar o ano de 2022 com alguma tranquilidade”, defendeu.

Depois de Miguel Maya, o CEO do Millennium BCP, defendeu que o Governo está a fazer o melhor “com a informação e convicções que tem”. Mas, o contrário dos seus concorrentes, o presidente do BCP considera que “a guerra tem sempre um efeito na economia e a cada mês que passa os efeitos vão ser maiores” e mais devastadores na economia.

O CEO do BCP lembrou que antes da guerra desencadeada a 24 de fevereiro já havia pressões inflacionistas por causa das restrições das cadeias de logística, “muito pelo tema do impacto da pandemia na economia da Ásia” e pela poupança acumulada que gerou um aumento do consumo.

“A guerra veio exacerbar estes factores”, disse Miguel Maya que defendeu o papel dos bancos centrais, mas acredita que há agora um desafio pela frente que é o de fazer a normalização da política monetária.

Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander Portugal, por sua vez, disse que “estamos a viver um momento muito atípico” falando das duas crises, e reconheceu alguma incerteza ao dizer que “não sabemos como a economia vai reagir”, pois “estamos num lago de cisnes negros”, disse, citando um paper de Daniel Traça, Dean da Nova SBE.

O CEO do Santander Totta lembrou que a subida do preço dos alimentos vai ter impacto nos países emergentes. Referindo-se ao que aconteceu entre 2010 e 2011, quando o preço dos alimentos subiu 16% e pôs 155 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema, Pedro Castro e Almeida lembrou que as previsões agora apontam para uma subida dos bens alimentares de 20% a 40%.

“A zona que é palco do conflito exporta 30% do trigo que se consome, 15% do milho e 25% dos fertilizantes. Para já não falar da dependência da Europa do gás e energia. A duração da guerra é um factor decisivo”, defendeu.

O banqueiro lembrou ainda que esta inflação é um choque do lado da oferta e não se resolve com a política monetária.

“Há um conjunto de mitigantes, mas que no curto prazo são muito difíceis, por exemplo a eficiência energética”, reconheceu Pedro Castro e Almeida que no entanto diz “não estar demasiadamente preocupado”. Pedro Castro e Almeida reconheceu que haverá uma redução do rendimento disponível das famílias (entre alimentação e custos de transportes). Mas, “importa ver os pontos positivos”, disse, referindo-se ao pleno emprego, aos níveis de poupança, ao turismo e ao PRR que vai contribuir com até 2% ao ano para o PIB nos próximos quatro anos”. As imparidades da banca podem subir mas não vão pôr em causa a solvabilidade da banca, concluiu o CEO.

Por fim João Pedro Oliveira e Costa, CEO do BPI,  disse que “o diagnóstico está feito, mas a disrupção também cria oportunidades”.

No que toca ao PRR e ao Portugal 2030, o CEO do BPI disse que “o que importa é a execução”. O presidente do BPI defende ainda que é preciso apoiar as grandes empresas que retém talento e não apenas as PME.

“A grande oportunidade que temos pela frente é melhorar o pacote fiscal para as grandes empresas porque o que existe em Portugal é muito difícil para a competitividade das empresas e para os salários”, disse João Pedro Oliveira e Costa que defende ainda que é preciso um tecido empresarial com dinamismo que faça investimentos em inovação e investigação.

Sobre a ação em tribunal contra a banca interposta pelo empresário madeirense Joe Berardo, no valor de 900 milhões, Paulo Macedo esclareceu apenas que “a Caixa Geral de Depósitos não engana os clientes”, e que “a justiça vai resolver”.

Já Miguel Maya limitou-se a dizer que a justiça “vai seguir o seu caminho”.

 

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