Inflação, juros, risco fiscal e de recessão global: veja o que derrubou a Bolsa na 1ª metade de 2022
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Inflação, juros, risco fiscal e de recessão global: veja o que derrubou a Bolsa na 1ª metade de 2022

Após um início de ano animador, o Ibovespa, principal índice do mercado de ações brasileiro, sucumbiu as pressões externas e fechou o primeiro semestre em baixa. A lista de motivos não é nada modesta. Pressões inflacionárias seguidas de altas nos juros, aqui e lá fora, risco de recessão global cada vez maior e o imbróglio fiscal agravado ontem com a  aprovação no Senado da PEC Eleitoral que cria estado de emergência para permitir aumento de gastos públicos pelo governo Bolsonaro a menos de três meses das eleições, são alguns dos fatores que prejudicaram o desempenho da Bolsa de São Paulo, a B3, na primeira metade de 2022.

O Ibovespa fechou o semestre com baixa de 5,99%, voltando a retrair numa primeira metade de ano pela primeira vez desde 2020, no auge da pandemia. As perdas foram intensificadas em junho, quando o principal índice da B3 despencou 11,50%, o pior desempenho para um mês desde março de 2020, o mês em que a Covid-19 se espalhou pelo país.

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Em dólares, o Ibovespa ainda conseguiu sustentar leve alta no primeiro semestre, de 0,15%. Na primeira metade do ano, o real recuperou valor diante do dólar, mas voltou a se desvalorizar no final do semestre. Só em junho, a cotação do dólar acumulou alta de 10,13%, maior elevação também desde março de 2020. Fechou ontem cotado em R$ 5,23.

Ainda assim, a moeda americana encerrou o semestre com queda de 6,14%, a maior desde 2016 para o período. O real foi beneficiado pelo patamar elevado da cotação das commodities mais importantes da pauta de exportações do país, como petróleo, minério e grãos, e pelo diferencial de juros ainda alto em relação ao praticado no exterior, que atrai dólares de investidores estrangeiros interessados nos títulos públicos brasileiros. A Selic, a taxa básica de juros no país, está em 13,25% ao ano.

Incertezas não faltam aqui e lá fora

Segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, o cenário externo mais negativo foi o principal fator para a piora do nosso mercado. Bolsas na Europa e nos Estados Unidos também fecharam o semestre com fortes quedas.

Segundo a agência Bloomberg, foi o pior semestre para as bolsas europeias desde a crise de 2008. O Stoxx Europe 600 Index caiu 1,5% no fechamento de quinta-feira, estendendo sua queda acumulada no ano para 17%.

Nos EUA, o índice Dow Jones teve queda acumulada de 15,31% no semestre, O S&P perdeu 20,58%, o pior resultado para o período desde 1970. A Bolsa Nasdaq, que concentra empresas de tecnologia, teve baixa de 29,51% nesse período.

"A população pessoa física já está começando a usar a poupança para conseguir manter o seu poder de consumo. Começamos a ver há dois meses consumo de poupança, que é um sinal de deterioração do sentimento do consumidor", disse a analista-chefe do Banco Inter, Gabriela Joubert, sobre a queda dos índices americanos.

Da China, ainda vieram mais incertezas, devido ao estabelecimento de medidas de restrição contra a Covid-19, que levantaram dúvidas sobre a capacidade do governo do país em atingir suas metas de crescimento.

Externo ofusca resultados positivos

Para a analista-chefe do Banco Inter, a maior aversão ao risco em termos globais foi preponderante mesmo com o Brasil apresentando resultados fiscais e de atividade mais positivos.

"Em termos de drivers (vetores) para esse sentimento negativo, o principal é a recessão nos Estados Unidos. Está claro que existe um risco muito maior e um desafio muito maior para o Fed (Federal Reserve, Banco Central americano) em relação a isso. Estamos vivenciando um bear market (jargão do mercado para indicar tendência de baixa) lá fora e quando você olha outros mercados desenvolvidos como a Europa, a situação ainda consegue ficar mais difícil com a guerra (na Ucrânia)."

Desde o final do primeiro trimestre, diversos bancos centrais de economias desenvolvidas vêm promovendo aumentos de juros. Na tentativa de enfrentar uma inflação mais alta em quatro décadas, o Fed já promoveu três aumentos consecutivos das taxas básicas, que já estão no intervalo entre 1,50% e 1,75%.

O Banco Centro Europeu (BCE), que costuma ter uma postura mais favorável à manutenção de estímulos, já sinalizou que fará aumentos em suas taxas a partir do próximo mês. Esse movimento tende a afastar os investidores de ativos de risco como as ações.

"Lá fora, os Estados Unidos têm um índice com peso muito grande em tecnologia. Eles são mais sensíveis com a subida de juros. E a Europa é mais exposta ao conflito entre Rússia e Ucrânia e tem uma economia mais fragilizada por causa disso. De uns meses para cá, os mercados começaram a precificar esses riscos de recessão e, com isso, tivemos uma contração de múltiplos muito significativa", disse a estrategista de ações da XP, Jennie Li.

Menor entrada de fluxo estrangeiro

O aperto nas condições financeiras e o pessimismo nos mercados também fez o fluxo de entrada dos investidores estrangeiros reduzir. O ingresso desses recursos nos três primeiros meses do ano foi um dos principais fatores que auxiliaram a Bolsa e o real, ainda mais se levarmos em conta os déficits nas contas dos investidores individuais e institucionais.

"O fluxo de capital estrangeiro enfraqueceu em abril e maio e, em junho, ele está vindo mais fraco se compararmos com o primeiro trimestre. Não tivemos esse mesmo suporte, que sustentou essa alta que tivemos no primeiro trimestre", ressalta Jennie.

Após três meses de superávit, abril e maio foram marcados por retiradas. No ano, o saldo ainda é positivo em R$ 53,82 bilhões.

O patamar ainda elevado das commodities, que também foi influenciado pelo início do conflito armado na Ucrânia, tende a ser um fator positivo para o nosso mercado, mesmo que pressione a inflação.

Mas como destaca a analista do Inter, caso o cenário de desaceleração global mais forte se confirme, isso pode significar uma menor compra de insumos e de demanda, o que joga uma pressão mais negativa sobre esses papéis.

Real ainda se valoriza no ano

Sobre o desempenho do real, o gestor de moedas da ACE Capital, Daniel Tatsumi, ainda avalia que a moeda está se comportando bem ante outras divisas. O real chegou a atingir a mínima de R$ 4,6076 no início de abril, mas voltou para a faixa acima dos R$ 5,20 nas últimas semanas.

"Tem um fator global bem grande, com a puxada de juros dos EUA, com esse temor de recessão mais à frente, e as últimas notícias sobre os temas locais não foram boas. Temos um mercado mais arisco lá fora e isso não está no seu final. Tendemos a continuar com os mesmos problemas no segundo semestre.
Para Tatsumi, os fatores que jogaram a favor do real no começo do ano estão mais fracos, com o diferencial de juros fechando e os termos de troca em patamares menores do que já pôde ser visto. A casa tem posição atual neutra no real."

Cena local passa a pesar

Além do cenário externo mais adverso, os problemas internos voltaram a pesar no mercado nas últimas semanas.

A discussão sobre medidas para arrefecer os preços dos combustíveis e aumentar o pode de compra da população a menos de três meses da eleição elevaram a percepção de risco fiscal, segundo analistas, mesmo com os melhores resultados das contas públicas.

Isso sem contar as constantes interferências do governo na Petrobras e as sinalizações em mudanças de leis importantes, como a Lei das Estatais.

A piora coincidiu com as mudanças na chamada PEC dos Combustíveis, que teve seu objetivo inicial alterado para incluir gastos como a ampliação do Auxílio Brasil e aumento de benefícios para categorias específicas, como os caminhoneiros à medida que se aproxima o calendário eleitoral.

O movimento foi refletido nas curvas de juros futuros e na elevação dos Credit Default Swap, conhecidos como CDS.

Trata-se de uma espécie de seguro contra possíveis calotes de um país, funcionando, portanto, como uma das principais medições de riscos usadas por investidores internacionais no momento de decidir onde alocar seu dinheiro. Quanto mais alto o CDS, mais arriscado é considerado o país para aplicações.
De acordo com dados do S&P Global Market Intelligence, o risco-Brasil medido pelos CDS chegou a voltar para o patamar de 300 pontos nessa semana, o que não ocorria desde maio de 2020.

Segundo analistas, a alta é bastante influenciada pela cena externa adversa, mas também sofre impacto do noticiário local.

"Nesse último mês, os riscos fiscais aumentaram com a discussão da PEC dos Combustíveis, a tentativa de controlar os preços e a aproximação de uma eleição. Foi uma conversa que não afetou muito o mercado nos primeiros meses do ano e agora passamos a focar mais nisso", disse a estrategista da XP, Jennie Li.

E o próximo semestre?

Para os analistas, o cenário externo ainda continuará tendo forte peso na definição dos rumos do Ibovespa até o final do ano.

O desenrolar do processo de aperto monetário do Fed e suas consequências para a economia, e a forma como a China atuará para atingir as metas de crescimento devem ser observadas de perto.

"Mais do que esse ciclo de aperto, que já está dado, é o quanto essa elevação de juros vai gerar de desaceleração ou possível recessão. Essa é a maior incerteza que existe agora", destaca Gabriela.

Na cena interna, a tendência é que o debate eleitoral ganhe mais importância, ainda que se ressalte que os candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto sejam bastante conhecidos pelo mercado.

"O risco externo é muito importante, porque temos muitas empresas exportadoras e de commodities e temos que ver como a China vai recuperar o crescimento no segundo semestre. Ao mesmo tempo, esses riscos domésticos vão ganhar mais importância, algo que o mercado não focou muito em boa parte do primeiro semestre", disse Jennie.

O Banco Inter ainda não pretende por ora revisar seu target de 120 mil pontos para o Ibovespa. A XP pode alterá-lo na revisão de cenário que ocorre em julho.

Nesta semana, o Itaú BBA revisou para baixo sua projeção para o Ibovespa ao final de 2022, de 115 mil pontos para 110 mil pontos. O banco avalia que a inflação doméstica mais alta e persistente que o esperado deve manter os juros elevados por mais tempo e seguir impactando a performance dos ativos ligados à economia local.

Para Jennie, da XP, a Bolsa continua barata se olharmos para os valuations das empresas. Mas isso não significa que se deva entrar em qualquer papel pelo fato dele estar descontado.

"Ela pode apresentar portas de entrada interessantes. Mas pelos riscos internos e externos, não é tudo que é interessante para entrar agora. Commodities continua sendo um dos temas, mas tiramos um pouco de exposição por causa desses riscos de recessão", disse.

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